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Intimação prévia do devedor e multa no CPC: o STJ e o desafio de evitar redundâncias em temas repetitivos

A eficiência e a segurança jurídica na aplicação do tema repetitivo em um contexto de jurisprudência já consolidada

O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Corte Especial, afetou os Recursos Especiais 2.096.505, 2.140.662 e 2.142.333, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a fim de serem submetidos a julgamento através do rito dos repetitivos, cadastrada sob o Tema 1296[1].

A questão enfrentada é uma velha conhecida – a necessidade de intimação prévia do devedor para que possa incidir; em caso de descumprimento da obrigação, a multa prevista no artigo 523, §1° do Código de Processo Civil[2].

Mas o que deve ser analisado, de plano, é a efetiva necessidade de julgamento através da técnica dos repetitivos de questões que já fazem parte do acervo jurisprudencial da Corte, considerando que tal temática é objeto da já conhecida Súmula 410[3] do próprio STJ.

A função das cortes superiores

Não seria preciso dizer que as Cortes Superiores possuem função de conferir unidade ao Direito, na medida em que se detêm a palavra final sobre a interpretação da Constituição Federal ou da lei, no caso específico do Superior Tribunal de Justiça, conforme previsão da própria Constituição[4][5].

Em que pese tal realidade, fato é que; ante a necessidade identificada pelo legislador de fortalecer as decisões emanadas de tais Cortes, foi então mantida a sistemática dos recursos repetitivos, para solucionar as demandas que geravam significativo número de demandas judiciais, com impacto no funcionamento do Judiciário.

Porém, fato é que todos os mecanismos processuais previstos pelo legislador podem e devem ser utilizados com a máxima utilidade, sob pena de serem criados novos entraves para solucionar problemas para os quais se buscaram soluções.

Vejamos que a questão da necessidade de intimação do devedor para que incidisse a multa prevista no artigo 523, §1° do Código de Processo Civil já foi enfrentada anteriormente, com idêntica solução até o momento.

O que deve ser ponto crucial de reflexão é se, de fato, é necessário que o aparato jurisdicional revisite necessariamente todos os temas sumulados sob a sistemática do já não tão novo Código de Processo Civil para que sejam contemplados como temas repetitivos.

Veja-se que Luiz Guilherme Marinoni[6] assinala que todas as decisões que definem a interpretação ou atribuem sentido ao direito, em demandas repetitivas ou não, têm eficácia obrigatória, e não só a Súmula 410, mas diversas outras decisões caminharam no mesmo sentido da necessidade de intimação do devedor para incidência da multa.

De tal maneira, é de se refletir sobre a maneira de utilização da técnica dos julgamentos em sede de litigiosidade repetitiva.

Racionalidade no uso das técnicas de julgamento

Fato é que todos os mecanismos que tenham por finalidade aprimorar o exercício da jurisdição devem ser celebrados, mas também bem utilizados.

A questão da segurança jurídica que as decisões das Cortes Superiores devem trazer é objeto de enfrentamento desde o Decreto 848, de 11 de Outubro de 1890[7], responsável pela organização judiciária quando do início do período republicano no Brasil.

Entretanto, não parece razoável julgar questão que já é objeto de entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, em decisão que certamente ocupará os já atarefados Ministros para julgar aquilo que já se definiu.

Durante as XV Jornadas Brasileiras de Direito Processual do IBDP, que teve como temática o sistema brasileiro de precedentes, em um dos painéis – especificamente o que tratava sobre a relevância da questão federal em sede de recurso especial, o professor Luca Passanante, da Universidade de Brescia, elogiou a iniciativa brasileira de tratar dos precedentes, mas pontuou que se trata – tal qual para o direito italiano, de uma inovação que requer profunda análise no emprego dos mecanismos processuais que definem teses e norteiam decisões.

Ademais, o próprio sistema prevê o overruling, nos casos de superação de um precedente, sendo certo que se um dos argumentos que ampararam a afetação dos recursos foi o elevado número de discussões sobre o tema, não parece apropriado que seja ponto principal para que seja submetida a questão à sistemática dos repetitivos.

De tal modo, empregar com sabedoria e precisão os mecanismos processuais que o Código trouxe é essencial para que haja uma jurisdição efetiva, justa e que busque promover segurança jurídica, ou como diria Giuseppe Tomasi di Lampedusa, “tudo deve mudar para que fique como está”.


Referências

[1]Questão Submetida a Julgamento – Definir se a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

[2] Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

[3] A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer

[4] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

[5] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

[6] Julgamento nas Cortes Supremas – Precedente e Decisão do Recurso diante do Novo CPC. 1ª ed. em e-book baseada na 1ª ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015

[7] Art. 386. Constituirão legislação subsidiaria em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e commercial, não sendo contrarias ás disposições e espirito do presente decreto.

Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações juridicas na Republica dos Estados Unidos da America do Norte, os casos de common law e equity, serão tambem subsidiarios da jurisprudencia e processo federal.

Sobre o autor:

Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil pela PUC/SP, bacharel em Direito pela Universidade Braz Cubas. Advogado

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