A 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) autorizou uma trabalhadora a sacar os valores depositados, bem como os que vierem a ser depositados, em sua conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para custear o tratamento de saúde do filho, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A decisão confirma a sentença da Subseção Judiciária de Vitória da Conquista/BA.
Contexto da decisão
O processo chegou ao TRF1 por meio de remessa oficial, procedimento previsto no art. 496 do Código de Processo Civil (CPC). Conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, esse instituto determina o envio da sentença ao tribunal de segunda instância quando a decisão judicial é contrária a ente público, independentemente de apelação das partes.
Na decisão de primeiro grau, o juiz reconheceu o direito da autora ao saque do FGTS, mesmo que o Transtorno do Espectro Autista não esteja previsto no rol taxativo do artigo 20 da Lei 8.036/90, que lista as situações em que o saque é autorizado.
Questão jurídica envolvida
A relatora, desembargadora federal Ana Carolina Roman, destacou que, embora o TEA não conste expressamente na legislação, a negativa de saque poderia afrontar o direito fundamental à saúde, previsto na Constituição Federal.
A magistrada reforçou que o juiz de primeiro grau fundamentou adequadamente sua decisão e que a ausência de recursos voluntários no processo confirma a validade da sentença.
Fundamentos da decisão
O colegiado, de forma unânime, acompanhou o voto da relatora, que considerou:
- Direito à saúde: a autorização do saque do FGTS é medida necessária para garantir o tratamento de saúde da criança.
- Interpretação teleológica da lei: a ausência do TEA no rol da Lei 8.036/90 não pode impedir o acesso aos recursos em casos em que há risco à saúde ou à qualidade de vida do beneficiário.
A relatora concluiu que a decisão está em conformidade com a proteção constitucional à saúde e à dignidade da pessoa humana.
Impactos práticos da decisão
A decisão do TRF1 representa um importante precedente no sentido de flexibilizar a interpretação do rol do artigo 20 da Lei 8.036/90, garantindo o direito ao saque do FGTS em casos não previstos expressamente, quando estiver em jogo o direito fundamental à saúde.
Legislação de referência
Lei 8.036/90 (FGTS):
“Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:
[…]
XI – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna;
XII – quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave.”
Constituição Federal:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Processo relacionado: 1012739-87.2023.4.01.3307