A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) condenou um médico recém-formado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e materiais após comprovação de fraude no sistema de cotas raciais da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A decisão fixou o valor de R$ 50 mil a título de dano moral coletivo, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, além do ressarcimento de R$ 7 mil por mês de curso à instituição de ensino.
Contexto da decisão
A condenação decorre de um recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão da 2ª Vara da Justiça Federal em Alagoas, que havia negado o pedido de indenização. Segundo o MPF, o réu utilizou indevidamente o sistema de reserva de vagas para ingressar no curso de Medicina da UFAL em 2017. À época, ele declarou ser pardo, apesar de não apresentar características físicas compatíveis com a autodeclaração racial.
A fraude foi confirmada com base na análise fenotípica do estudante, realizada a partir de imagens registradas em audiência e fotos de documentos. O TRF5 entendeu que a conduta causou graves danos morais coletivos, afetando a confiança no sistema de cotas e os valores de inclusão social que fundamentam essa política pública.
Questão jurídica envolvida
O sistema de cotas raciais é uma política pública prevista pela legislação brasileira, destinada a garantir igualdade material e reparação histórica, promovendo o acesso de pessoas negras e pardas ao ensino superior. No caso analisado, a autodeclaração inverídica violou a boa-fé, comprometeu a eficácia das ações afirmativas e causou prejuízos a candidatos que efetivamente teriam direito às vagas reservadas.
De acordo com a desembargadora relatora Cibele Benevides, a má-fé do réu compromete o princípio da justiça social e resulta em responsabilidade civil, devendo ser reparado tanto o dano moral coletivo quanto o material.
Fundamentos da decisão
O TRF5 destacou dois pontos principais:
- Dano moral coletivo: decorre do impacto negativo da fraude sobre a confiança no sistema de cotas e os valores de inclusão social.
- Ressarcimento material: o uso indevido da vaga implica no ressarcimento do custo do curso de Medicina, calculado com base na média das mensalidades de instituições privadas equivalentes.
“A má-fé na autodeclaração prejudica a eficácia das ações afirmativas, comprometendo a justiça social e violando a igualdade material, além de lesionar direitos coletivos protegidos”, concluiu a relatora.
Impactos práticos da decisão
A decisão reforça a necessidade de fiscalização rigorosa nas políticas de cotas raciais e estabelece a responsabilidade civil daqueles que agem de má-fé. O pagamento da indenização e o ressarcimento material buscam compensar os prejuízos causados à coletividade e à instituição de ensino.
Legislação de referência
Lei 7.347/1985 (Ação Civil Pública):
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados:
I – ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
“Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.”
Lei 12.711/2012 (Lei de Cotas):
“Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada seleção para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.”
“Art. 2º Em cada instituição federal de educação superior, as vagas de que trata o art. 1º serão preenchidas por autodeclarados pretos, pardos e indígenas em proporção no mínimo igual à da soma dessas populações na unidade da Federação onde está instalada a instituição.”
Processo relacionado: 0803282-58.2021.4.05.8000