Dois irmãos ajuizaram mandado de segurança preventivo para impedir a cobrança do IRRF sobre cotas de fundo de investimento herdadas do pai. Ao abrir o inventário, eles solicitaram a transferência das cotas com base no valor declarado pelo falecido, mas o banco informou que o imposto seria retido na fonte. A cobrança motivou a ação judicial.
Em primeira instância, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) havia entendido que a transferência autorizava a tributação, pois resultava em alteração escritural das cotas.
Fundamentos da decisão do STJ
O ministro Gurgel de Faria, relator do recurso no STJ, afirmou que não há fato gerador do imposto na transferência direta das cotas aos herdeiros, desde que avaliadas pelo valor constante na última declaração do falecido. Ele destacou que a incidência do IRRF requer um ganho de capital, o que não ocorre na simples transferência de titularidade.
O relator também esclareceu que o artigo 65 da Lei 8.981/1995, que regula a incidência do IRRF sobre rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, não se aplica ao caso, pois trata de alienações voluntárias, como resgates ou cessões, e não de transferências causa mortis.
O princípio da legalidade tributária
O ministro enfatizou que a Receita Federal não pode exigir tributo sem previsão legal. Segundo o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, a exigência tributária deve respeitar o princípio da legalidade, com exata correspondência entre o fato ocorrido e a hipótese de incidência prevista em lei.
Portanto, no caso de sucessão causa mortis, a simples atualização cadastral das cotas perante a administradora não configura ganho de capital ou fato gerador para a cobrança do IRRF.
Questão jurídica envolvida
A decisão analisou a aplicação dos artigos 23 da Lei 9.532/1997 e 65 da Lei 8.981/1995 no contexto de sucessão causa mortis. O STJ reafirmou que a transferência de cotas por herança não configura alienação ou resgate, limitando a incidência do imposto à hipótese de transferência por valor de mercado com ganho de capital.
Legislação de referência
Constituição Federal de 1988
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Lei 9.532/1997
Art. 23. Os bens e direitos transferidos por herança, legado ou doação serão avaliados:
I – pelo valor de mercado; ou
II – pelo valor constante na última declaração do imposto de renda apresentada pelo falecido ou doador.
Lei 8.981/1995
Art. 65. Os rendimentos auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte.
(…)
§ 2º Considera-se alienação a liquidação, o resgate, a cessão ou a repactuação de títulos ou aplicações financeiras.
Processo relacionado: REsp 1968695