Por que há tanta necessidade em regulamentar opiniões? Nesta semana, mais um projeto surge, disfarçado de combate às fake news, com o objetivo de regulamentar redes sociais e limitar a liberdade de expressão. Proposto pelo deputado Pedro Uczai, do PT/SC, o Projeto de Lei 3663/2024 transfere às plataformas a responsabilidade de verificar conteúdos publicados e rotular informações em casos de “desinformação”, incluindo a possibilidade de suspensão da plataforma em caso de descumprimento. Os prejuízos desse projeto são inúmeros, não apenas pela ameaça concreta aos princípios democráticos, mas também pelo contexto em que ele é apresentado.
O projeto impõe às plataformas a obrigação de criar sistemas para monitorar e rotular conteúdos classificados como ‘desinformação’, em parceria com órgãos reguladores. Essa interferência no conteúdo postado é tão absurda que, fora do mundo digital, equivaleria a processar os Correios por entregarem uma carta com conteúdo ilícito ou, ainda pior, exigir que abram e inspecionem cada correspondência enviada. No Brasil, iniciativas desse tipo não são novidade; em 2023, o STF determinou que veículos de imprensa podem ser responsabilizados por declarações de seus entrevistados, e agora o que este projeto faz é aplicar uma lógica semelhante às plataformas digitais, forçando-as a intervir no que é dito por usuários comuns.
Essa abordagem ignora uma questão básica: cada pessoa é responsável por aquilo que comunica. Redes sociais, como um megafone, apenas amplificam opiniões e informações; a responsabilidade é de quem fala, e a plataforma é apenas o canal. Restringir o funcionamento dessas plataformas é, na prática, sufocar a liberdade de expressão.
A situação se agrava ainda mais quando analisamos as consequências previstas para as redes sociais que descumprirem essas ordens. O projeto, no artigo 6º, prevê a possibilidade de suspensão temporária das atividades de uma plataforma. Parece familiar, não? O autor deve ter se inspirado no ministro Alexandre de Moraes, quando suspendeu uma rede social inteira, silenciando cerca de 20 milhões de usuários brasileiros, por mais de um mês, sem qualquer respaldo legal. Suspender uma rede social é incompatível com a democracia; o que foi feito de forma autoritária por um ministro pode agora se tornar lei. Esse é esse o tipo de medida que ditaduras adotam para calar vozes dissidentes.
E dá para piorar? Claro que sim. O projeto impõe regras de transparência quanto aos algoritmos das redes sociais, interferindo diretamente no modelo de operação dessas plataformas. A não divulgação dos algoritmos é uma estratégia de negócio adotada por muitas plataformas, incentivando os usuários a experimentar diferentes tipos de postagens para descobrir o que gera mais engajamento. E isso não é um problema; afinal, cabe ao usuário escolher participar de determinada rede social, mesmo sem entender como seu conteúdo será distribuído. Ao exigir que as plataformas revelem o funcionamento de seus algoritmos, o projeto invade as estratégias comerciais dessas empresas, representando mais uma intervenção governamental em negócios privados
Além das falhas no conteúdo, o momento em que esse projeto foi protocolado é significativo. Ele surge logo após as eleições nos Estados Unidos, onde muitos esperavam que o discurso de Kamala Harris garantisse a vitória dos Democratas — mas o efeito foi justamente o oposto. Esse revés progressista ecoou na política brasileira, reforçando o desgaste da narrativa de partidos de esquerda, como o PT, que se mostraram enfraquecidos nas eleições de outubro de 2024, mesmo estando no governo federal. Neste cenário, em uma tentativa de conter o fortalecimento de ideias contrárias, um deputado petista propõe limitar a circulação de informações. Atitude que fere os pilares da democracia. Afinal, limitar a voz do oponente é, sem dúvida, censura.
Ao longo da história, as tentativas de controle são cíclicas, surgindo sempre que o poder de comunicação cresce e atinge a população em grande escala. Um exemplo clássico é o surgimento da imprensa, que, por sua capacidade de disseminação rápida, despertou o medo das autoridades, levando a tentativas de controle. Esse projeto reflete o mesmo impulso: o receio das autoridades em relação ao poder de mobilização social, especialmente quando seu discurso começa a ruir. Já vimos essa imposição via judiciário; se o legislativo seguir o mesmo caminho, será um golpe contra a democracia brasileira. Agora cabe à sociedade civil resistir e se mobilizar para derrubar iniciativas como essa, tal como ocorreu com o PL 2630. Defender a liberdade exige vigilância constante, para que nenhum passo seja dado para trás.
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Sobre o autor:
Advogada, formada pela UFPR. Diretora do LOLA Internacional (Ladies of Liberty Alliance - uma rede mundial de mulheres liberais e libertárias) e presidente do LOLA Brasil. Coordenadora do programa de candidaturas eleitorais do Instituto Libertas