O Tribunal de Contas da União (TCU) voltou a se pronunciar sobre a impossibilidade de incluir cláusulas contratuais que exijam o crédito de valores em cartões de vale-alimentação antes do efetivo repasse de recursos pelo órgão contratante. A decisão mais recente foi emitida pelo Plenário do TCU no Acórdão 2278/2024, em análise de impropriedades no edital de credenciamento de uma entidade pública. Essa posição já havia sido anteriormente definida pela Segunda Câmara do TCU no Acórdão 5928/2024, mas agora foi consolidada em âmbito plenário.
Edital de credenciamento permitia crédito antecipado de vale-alimentação
A controvérsia analisada surgiu de uma cláusula do edital de Credenciamento 5/2023, do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), que previa que as cargas de vale-alimentação fossem realizadas antes do pagamento pelo contratante. A cláusula permitia que a empresa gestora dos cartões antecipasse o valor aos funcionários e recebesse o repasse do Sescoop em até quatro dias úteis após a emissão da nota fiscal. Para o TCU, essa prática contraria a natureza pré-paga do benefício prevista no artigo 3º da Lei 14.442/2022.
Fundamentação legal e análise do TCU
A Lei 14.442/2022 estabelece que os valores do auxílio-alimentação devem ter caráter pré-pago, ou seja, o crédito ao empregado deve ser custeado diretamente pelo empregador, sem comprometer recursos próprios da empresa gestora dos cartões. Segundo o artigo 3º, inciso II, da lei, a antecipação do crédito aos empregados sem o repasse correspondente do contratante desvirtua o modelo pré-pago e infringe a legislação.
Em seu voto, o relator destacou ainda que o Banco Central, por meio de pareceres técnicos, reafirma a necessidade de prévio aporte de recursos por parte das instituições de pagamento. De acordo com esses pareceres, as gerenciadoras de vale-alimentação devem operar apenas mediante recursos disponibilizados antecipadamente pelo contratante, sem o uso de seus próprios fundos para antecipar o pagamento ao empregado.
Restrição à competitividade e impacto no mercado
Além da irregularidade à luz da Lei 14.442/2022, o TCU apontou que a exigência de crédito antecipado promove uma exclusão indevida de empresas do certame. Apenas empresas que atuem exclusivamente no nicho de vale-alimentação e que não estejam submetidas à regulação do Banco Central sobre a salvaguarda de recursos teriam condições jurídicas para cumprir a cláusula. Essa prática, segundo o TCU, limita a concorrência e restringe a participação de potenciais fornecedores que operam em múltiplos segmentos.
Decisão do TCU Plenário
Com a decisão, o TCU determinou ao Sescoop que reveja os procedimentos e adote medidas internas para prevenir a inclusão de cláusulas semelhantes em futuras contratações. O tribunal enfatizou a importância de observar a natureza pré-paga dos auxílios nos contratos de vale-alimentação, em conformidade com a legislação vigente.
Questão jurídica envolvida
A decisão aborda a interpretação do artigo 3º, incisos II e III, da Lei 14.442/2022, que veda a antecipação de crédito de auxílio-alimentação sem o aporte prévio do contratante. A decisão do TCU reforça a natureza pré-paga do benefício e a necessidade de que o repasse ao beneficiário seja financiado diretamente pelo contratante.
Legislação de referência
Artigo 3º da Lei 14.442/2022:
“O empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o art. 2º desta Lei, não poderá exigir ou receber: I – qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado; II – prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos empregados; ou III – outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do empregado, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.”
Processo relacionado: Acórdão 2278/2024, Plenário