A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, alinhada com a posição do Ministério Público Federal (MPF), autorizar a importação de sementes e o cultivo de cânhamo industrial no Brasil para uso medicinal e farmacêutico. O cânhamo, variedade da Cannabis sativa com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) abaixo de 0,3%, é utilizado para a produção de medicamentos sem efeitos psicoativos e com alta concentração de canabidiol (CDB), composto útil no tratamento de doenças graves, como epilepsia, esquizofrenia, Parkinson e Alzheimer.
A decisão não permite a importação e o plantio por pessoas físicas, nem autoriza o uso industrial do cânhamo fora da área médica. Caberá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e à União definir as regras para cultivo e comercialização em um prazo de seis meses.
Histórico do caso: empresa busca autorização para cultivo
O processo foi motivado por um pedido da empresa DNA Soluções em Biotecnologia, que tentou obter permissão para importar sementes de cânhamo e cultivá-las no Brasil com o objetivo de produzir insumos para medicamentos. Após negativas em instâncias inferiores, o caso chegou ao STJ, que instaurou o Incidente de Assunção de Competência (IAC) n° 16 para uniformizar a jurisprudência, evitando decisões conflitantes em casos semelhantes.
Argumentos do MPF: foco na saúde pública e distinção entre cânhamo e uso recreativo
Durante o julgamento, o MPF destacou que a autorização é restrita ao cânhamo com fins medicinais, sem permitir o cultivo recreativo ou a descriminalização da maconha. O subprocurador-geral da República Aurélio Rios frisou que a planta, com baixo teor de THC, não causa efeitos psicoativos, sendo destinada exclusivamente à fabricação de medicamentos.
Impacto na saúde pública e redução de custos
O MPF também ressaltou que, embora a Anvisa já permita a venda de remédios à base de cannabis, a produção nacional é inviabilizada pela falta de regulamentação do plantio. Essa restrição obriga as empresas a importarem matéria-prima, o que encarece os produtos e dificulta o acesso de pacientes. Segundo dados do Ministério da Saúde, o governo federal gastou mais de US$ 33 milhões em importação de produtos à base de cannabis entre 2015 e 2023 para cumprir decisões judiciais.
Direito à saúde e impacto social
O MPF argumentou que a ausência de regulamentação afeta diretamente o direito à saúde, levando pacientes a desistirem de tratamentos caros e complexos. O cultivo controlado do cânhamo, com fiscalização estatal, atende tanto ao interesse público quanto aos tratados internacionais e à jurisprudência do STJ. A decisão do Judiciário se apoia no dever do Estado de garantir o direito à saúde, previsto na Constituição, em casos de inércia regulatória.
Questão jurídica envolvida
A decisão abrange a regulamentação do cânhamo industrial para fins medicinais, enfatizando o direito à saúde e a obrigação do Estado em permitir o acesso a tratamentos que dependem dessa planta. A medida também aponta para a responsabilidade da Anvisa e da União em criar normas que possibilitem o cultivo e controle do cânhamo, alinhadas com a legislação nacional e internacional.
Legislação de referência
Artigo 6º da Constituição Federal:
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Artigo 196 da Constituição Federal:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Processo relacionado: REsp 2.024.250/PR