O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Tema 309, firmando o entendimento de que o dolo é necessário para caracterizar qualquer ato de improbidade administrativa. Com isso, foi declarada inconstitucional a responsabilização por culpa, ainda que grave, para configurar atos de improbidade. A decisão foi proferida nos Recursos Extraordinários 656.558/SP e 610.523/SP, ambos afetados ao Tema 309, onde foram discutidos os limites das sanções de improbidade e a contratação direta de serviços técnicos advocatícios pelo poder público, sem licitação.
Exigência de dolo para configurar improbidade administrativa
O relator, ministro Dias Toffoli, sustentou que, para um ato ser classificado como improbidade administrativa, é indispensável a comprovação de dolo, independentemente do tipo de ato (enriquecimento ilícito, dano ao erário ou violação aos princípios da Administração Pública). Segundo Toffoli, a modalidade culposa, mesmo em casos de culpa grave, não é suficiente para caracterizar improbidade, incluindo-se aqui os atos que resultem em prejuízo ao erário, conforme o artigo 37, § 4º, da Constituição Federal.
Contratação direta de serviços advocatícios sem licitação
Outro ponto relevante do julgamento foi a constitucionalidade dos artigos 13, V, e 25, II, da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações), que previam a possibilidade de contratação direta de serviços advocatícios de natureza singular e de notória especialização, sem a necessidade de licitação. Toffoli destacou que a contratação deve observar critérios como a inadequação de serviços por servidores públicos e a compatibilidade do preço com a responsabilidade assumida pelo advogado, baseando-se nos valores praticados pelo escritório em casos similares.
Critérios para fixação de preço de serviços advocatícios
Para assegurar a compatibilidade de preços, o STF definiu que o valor cobrado deve refletir a responsabilidade profissional e a média cobrada pelo escritório em situações semelhantes. Toffoli destacou que exigir que o preço esteja em consonância com a média total de mercado desconsideraria a natureza singular do serviço e a confiança atribuída ao contratado, justificando a contratação direta nesses casos.
Teses firmadas com repercussão geral
As teses aprovadas pelo STF com repercussão geral no Tema 309 foram as seguintes:
a) O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação originária.
b) São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.
Divergência aberta por Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso apresentou voto divergente ao de Toffoli. Barroso concordou com a exigência de dolo para atos de improbidade, mas argumentou que normas estaduais ou municipais poderiam regulamentar a contratação direta de serviços advocatícios, preservando a autonomia normativa dos entes federativos.
Além disso, Barroso propôs que a cobrança de preço seja compatível com o mercado e não apenas com o histórico do contratado. A divergência foi apoiada pelos ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux, que defenderam a possibilidade de regulamentação local e reforçaram a necessidade de dolo na improbidade.
Diferenças em relação à Lei 14.133/2021
A decisão do STF no Tema 309, que considerou constitucional a contratação direta de advogados com notória especialização e natureza singular do serviço, foi tomada com base na Lei 8.666/1993, que exige esses critérios para inexigibilidade de licitação. Com a substituição pela Lei 14.133/2021, a questão permanece aberta, pois a nova legislação não exige o critério de singularidade para a contratação direta.
O Parecer n.º 00001/2023/CNLCA/CGU/AGU da Advocacia-Geral da União exemplifica essa mudança ao afirmar que, na Lei 14.133, basta a natureza predominantemente intelectual, a notória especialização e a comprovação de que a licitação seria inadequada para obter a melhor proposta. Segundo o parecer, a singularidade não é necessária, embora a Administração ainda deva garantir que o prestador escolhido tenha reconhecimento no campo de atuação e que o preço esteja de acordo com o mercado.
Essa distinção entre as leis levanta pontos de discussão para futuras interpretações do STF e órgãos administrativos sobre a validade e extensão dos critérios para contratação direta.
Questão jurídica envolvida
O julgamento abordou a exigência de dolo para caracterizar atos de improbidade administrativa, excluindo a responsabilidade culposa da aplicação de sanções de improbidade. Além disso, foram definidos critérios para a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, sem licitação, com o objetivo de garantir que os preços cobrados sejam proporcionais à responsabilidade e à complexidade do serviço.
Legislação de referência
- Constituição Federal, artigo 37, § 4º:
“Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” - Lei 8.666/1993, artigos 13, V, e 25, II:
“A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização.”
Processos relacionados: RE 656.558/SP e RE 610.523/SP