Em qualquer reflexão que se faça sobre os direitos das mulheres a nível mundial, o país que mais se destaca é o Afeganistão. Desde que o Talibã instaurou sua primeira governança em 1996, pode-se dizer que ficou reconhecido globalmente como o movimento mais atroz, cruel e ameaçador para uma mulher. As mulheres afegãs tornaram-se um símbolo da luta feminina por direitos em um ambiente político e social altamente repressivo. Após a queda do Talibã, elas vivenciaram um período de reconquista de suas liberdades até 2021, quando o grupo retomou o poder, e até hoje faz das suas vidas um tormento.
O primeiro grande marco em relação aos direitos das mulheres no Afeganistão foi durante o governo do rei Amanullah Khan, que governou de 1919 a 1929. Khan instituiu reformas com o intuito de modernizar o Afeganistão e uma das mais ambiciosas foi a garantia e proteção dos direitos individuais básicos das mulheres. Mahmud Tarzi, ministro das relações exteriores de Khan, teve influência expressa nesse progresso, já que defendia fervorosamente a educação feminina. Tarzi via as mulheres como o elemento central para superar o atraso da sociedade e combater a ignorância que travava o progresso da nação.
Após inúmeros conflitos políticos no século XX, incluindo a Guerra Civil Afegã e a invasão da União Soviética, o país tornou-se um ambiente catastrófico para as mulheres – notadamente porque essas são as que mais sofrem em períodos de guerra. Em 1994, o Talibã, um grupo fundamentalista defensor de uma visão radical da lei islâmica, surgiu e tornou-se a fonte principal da repressão feminina. Em 1996, tomou Cabul, estabelecendo um regime baseado em uma interpretação extremista da Sharia – conjunto de leis islâmicas -, onde os direitos das mulheres foram completamente eliminados.
Dentre as medidas de repressão feminina adotadas durante o regime do Talibã de 1996 a 2011, destacam-se a proibição ao trabalho, a proibição à educação, a obrigatoriedade da burca e a exclusão da vida pública. Esta última determinava o banimento da participação das mulheres em qualquer aspecto da vida pública. Logo, elas não podiam votar, ocupar cargos públicos, ou mesmo expressar opiniões publicamente. Por fim, vale ressaltar a medida mais abominável de todas: a violência. O Talibã implementou açoites, apedrejamentos e execuções públicas para mulheres que fossem acusadas de violar as regras.
Em 2001, após a intervenção militar dos EUA no Afeganistão como uma resposta direta aos ataques do 11 de setembro organizados pela Al-Qaeda, o Talibã caiu. A invasão americana tinha como objetivo também desmantelar qualquer ameaça estrutural de terrorismo para o futuro, desmanchando o Talibã e dando fim a esse regime brutal, opressor e autoritário. Sendo assim, os direitos femininos foram sendo restaurados, com uma nova constituição afegã, aprovada em 2004, que garantiu às mulheres o direito de votar e concorrer a cargos políticos. Elas também retornaram ao mercado de trabalho e às escolas e universidades.
O gosto pela liberdade durou apenas vinte anos. Em agosto de 2021, após Joe Biden determinar a retirada das tropas americanas do Afeganistão, o Talibã retomou o poder trazendo de volta a repressão à liberdade feminina. Meninas foram novamente proibidas de frequentar escolas e universidades, vendo seus sonhos de educação serem destruídos. Mulheres que antes ocupavam cargos públicos foram afastadas, obrigadas a deixar o mercado de trabalho e confinadas em casa. A liberdade de movimento foi tirada, e a burca voltou a ser imposta. O retorno do Talibã mergulhou as mulheres afegãs novamente em um regime de invisibilidade e opressão.
Recentemente, em agosto de 2024, o Talibã promulgou uma lei para “promover a virtude e prevenir o vício”, proibindo mulheres de falarem em público e de mostrarem os seus rostos. A verdade é que não tem sequer mais o que ser proibido. O Talibã conseguiu destruir qualquer resquício de exercício da liberdade feminina. O número de suicídios entre mulheres aumentou bruscamente no país. Um futuro sem escolhas, sem voz e sem autonomia é um futuro sem vida.
Quando pensamos na essência humana, inúmeras características podem vir à tona. O que nos faz humanos, de fato? Ou melhor: o que nos possibilita viver no ponto máximo da nossa essência? Ouso dizer que, sem liberdade, não há humanidade. A liberdade não é meramente um direito político, é a mola propulsora para uma vida de propósito — é o que nos permite sonhar e realizar nosso potencial. Portanto, para as mulheres afegãs, vê-la arrancada brutalmente não é apenas a perda de um direito, é a perda de sua própria razão de viver. O que restou para essas mulheres é a simples esperança de um dia serem ouvidas novamente.
Sobre o autor:
Empreendedora, advogada, estrategista de mídias sociais do Ladies of Liberty Alliance e ocupa os cargos de vice-presidente e Diretora de Comunicação do LOLA Brasil. Assessorou na campanha presidencial do Felipe D'Ávila pelo Partido Novo em 2022 e coordenou a mobilização online da campanha vereador reeleito Pedro Duarte. É bolsista no programa Prometheus, realizado pelo Students for Liberty e pela Prometheus Foundation.