Recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová: STF alinha SUS à prática comum do setor privado

Corte reafirma a liberdade religiosa e a autonomia individual, estabelecendo teses de repercussão geral sobre recusa terapêutica

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou sobre a recusa terapêutica por parte de Testemunhas de Jeová, julgando dois Recursos Extraordinários. O primeiro, o RE nº 979742, foi interposto pela União contra uma decisão que a condenou, junto ao Estado do Amazonas e ao Município de Manaus, a custear uma cirurgia de artroplastia total para uma paciente em outro estado. O procedimento, sem uso de transfusão de sangue, não estava disponível no Amazonas. O relator deste caso foi o ministro Roberto Barroso.

O segundo recurso, o RE nº 1212272, envolveu uma paciente que foi encaminhada à Santa Casa de Saúde de Maceió para a substituição de válvula aórtica. A cirurgia foi suspensa porque, no centro cirúrgico, a paciente foi solicitada a assinar um termo de consentimento para a realização de transfusão de sangue, caso fosse necessário. Esse recurso foi relatado pelo ministro Gilmar Mendes.

Em seu voto, o ministro Barroso enfatizou a compatibilidade entre a liberdade religiosa e os direitos à vida e à saúde, reforçando a autonomia individual. Já o ministro Gilmar Mendes destacou o conceito de Patient Blood Management (PBM), uma abordagem multidisciplinar de gerenciamento de sangue baseada em evidências. Essa prática visa minimizar perdas sanguíneas, otimizar a produção de células vermelhas e reduzir a necessidade de transfusões. Mendes também ressaltou que o PBM foi endossado pela Assembleia Mundial de Saúde em 2010 e recomendado pela Comissão Europeia como padrão de atendimento em 2017.

No setor privado, é comum que hospitais perguntem aos pacientes Testemunhas de Jeová sobre a aceitação de hemocomponentes e registrem essa informação em seus termos de consentimento.

As teses de repercussão geral fixadas foram as seguintes:

RE 979742

  1. Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.
  2. Em respeito aos direitos à vida e à saúde, têm o direito de acessar procedimentos alternativos disponíveis no SUS, incluindo tratamento fora de seu domicílio, se necessário.

RE 1212272

  1. Pacientes plenamente capazes podem se recusar a se submeter a tratamentos de saúde por motivos religiosos. Essa recusa deve ser inequívoca, livre, informada e esclarecida, inclusive por meio de diretiva antecipada de vontade.
  2. É possível realizar procedimentos médicos disponíveis no SUS sem transfusão de sangue, desde que haja viabilidade técnico-científica, anuência da equipe médica e decisão informada do paciente.

Como se trata de repercussão geral, as teses fixadas devem ser aplicadas em todas as instâncias do Judiciário, garantindo maior segurança jurídica e respeito às convicções religiosas dos pacientes.

Sobre o autor:

Mariana Brito

Advogada consumerista, especialista em Bioética e Biodireito, Mestra pela Unesa e Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB Niterói

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