O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, por unanimidade, que a liberdade religiosa de Testemunhas de Jeová adultas e capazes pode justificar a recusa de transfusões de sangue em tratamentos médicos. O Estado tem a obrigação de oferecer procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que seja necessário realizar o tratamento em estabelecimentos de outras localidades. A decisão foi tomada nos Recursos Extraordinários (REs) 979742 e 1212272, ambos de repercussão geral, ou seja, aplicável em todas as instâncias judiciais.
Liberdade religiosa e direitos constitucionais
Segundo o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, a decisão reafirma a posição do Supremo em favor da liberdade religiosa, conciliando-a com os direitos constitucionais à vida e à saúde. O Plenário entendeu que a liberdade religiosa garante que indivíduos possam viver de acordo com suas crenças, ritos e dogmas, sem coerção do Estado, desde que sejam maiores e capazes e tomem decisões informadas e conscientes.
Limites e proteção de menores
O STF também estabeleceu que, no caso de crianças e adolescentes, deve prevalecer o princípio do melhor interesse da saúde e da vida, o que significa que a liberdade religiosa dos pais não pode ser usada para impedir tratamentos médicos necessários para os filhos menores.
Casos concretos
No RE 979742, a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus foram condenados a cobrir os custos de uma cirurgia sem transfusão de sangue para uma paciente que precisou ser encaminhada para outro estado, já que o procedimento não estava disponível no Amazonas. Já no RE 1212272, uma paciente recusou-se a assinar um termo de consentimento para transfusões de sangue durante uma cirurgia de substituição de válvula aórtica, levando à rejeição do procedimento pela Santa Casa de Maceió.
Teses de repercussão geral
As teses fixadas pelo STF são as seguintes:
RE 979742
- Testemunhas de Jeová, maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.
- Em respeito ao direito à vida e à saúde, essas pessoas têm direito a tratamentos alternativos disponíveis no SUS, mesmo fora de seu domicílio, se necessário.
RE 1212272
- Pacientes com capacidade civil plena podem recusar tratamentos médicos por motivos religiosos, desde que a recusa seja inequívoca, livre, informada e esclarecida, inclusive em diretivas antecipadas de vontade.
- É possível realizar procedimentos médicos com interdição de transfusões de sangue, se houver viabilidade técnica e científica de sucesso, com anuência da equipe médica e decisão inequívoca do paciente.
Questão jurídica envolvida
A decisão do STF envolve o equilíbrio entre a liberdade religiosa e o direito à vida e à saúde, estabelecendo a obrigatoriedade do Estado de prover tratamentos alternativos quando a recusa por motivos religiosos for feita de maneira consciente e informada por adultos. O julgamento também protege o melhor interesse de crianças e adolescentes, priorizando o direito à saúde em caso de conflito com as crenças dos pais.
Legislação de referência
- Constituição Federal de 1988, Artigo 5º, incisos VI e VIII:
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
“Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa.”
Processos relacionados: RE 979742, RE 1212272