STF: rejeição de contas pelo Legislativo, resultando em inelegibilidade, tem natureza política, além de técnica ou contábil

Tribunais de contas só afastam inelegibilidade em casos sem condenação para ressarcimento de recursos públicos

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que gestores públicos cujas contas foram rejeitadas por tribunais de contas, sem condenação a ressarcir os cofres públicos, podem se candidatar em eleições. Contudo, permanece a inelegibilidade de chefes do Executivo que tiveram suas contas rejeitadas pelo Poder Legislativo. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1459224, com repercussão geral (Tema 1.304), que servirá de parâmetro para futuras decisões em casos semelhantes.

Lei das Inelegibilidades e exceções

A controvérsia envolve a interpretação do parágrafo 4º-A do artigo 1º da Lei Complementar 64/1990, conhecido como Lei das Inelegibilidades, que foi alterado pela Lei Complementar 184/2021. Esse dispositivo afasta a inelegibilidade de gestores que tiveram suas contas julgadas irregulares apenas com a aplicação de multa, desde que não tenha havido determinação de ressarcimento aos cofres públicos. No entanto, essa exceção aplica-se apenas a contas julgadas por tribunais de contas, não pelo Legislativo.

Caso concreto: Ex-prefeito de Rio Claro

O caso concreto envolve o ex-prefeito de Rio Claro (SP), João Teixeira Júnior, conhecido como Juninho da Padaria, que teve sua candidatura a deputado estadual em 2022 indeferida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE considerou que ele estava inelegível devido à rejeição das contas de 2018 e 2019 da prefeitura pelo Legislativo local. A corte eleitoral entendeu que a exceção prevista na Lei Complementar 184/2021 não se aplica a rejeições de contas feitas pelo Legislativo, mas apenas às análises dos tribunais de contas.

Decisão do STF

Por unanimidade, o Plenário do STF negou o recurso e manteve o entendimento do TSE. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, destacou que, de acordo com a jurisprudência do STF, cabe aos tribunais de contas emitir parecer sobre as contas do Executivo, mas a competência final para julgar as contas é do Poder Legislativo. A rejeição das contas pelo Legislativo, portanto, resulta na inelegibilidade do gestor, sendo essa uma decisão de natureza política, além de técnica ou contábil.

Mendes enfatizou que, embora os tribunais de contas analisem a regularidade dos gastos, o julgamento das contas pelo Legislativo abrange também o impacto político das despesas, incluindo o atendimento das necessidades da população. Caso as contas sejam aprovadas pelo Legislativo, os direitos políticos do gestor são mantidos, embora outras instâncias ainda possam responsabilizá-lo civil, criminal ou administrativamente.

Tese de repercussão geral

A tese de repercussão geral fixada pelo STF foi a seguinte:

“É correta a interpretação conforme à Constituição no sentido de que o disposto no § 4º-A do art. 1º da LC 64/90 aplica-se apenas aos casos de julgamento de gestores públicos pelos Tribunais de Contas.”

Questão jurídica envolvida

A decisão aborda a constitucionalidade das normas da Lei de Inelegibilidades, especialmente no que diz respeito à inelegibilidade de gestores que tiveram suas contas rejeitadas pelo Poder Legislativo. O STF reafirmou que o julgamento das contas pelo Legislativo, além de ser político, pode resultar na inelegibilidade do gestor, ainda que não haja condenação por ressarcimento de recursos.

Legislação de referência

  • Lei Complementar 64/1990 (Lei das Inelegibilidades):
    Estabelece casos de inelegibilidade, incluindo aqueles relacionados à rejeição de contas de gestores públicos.
  • Artigo 1º, § 4º-A:
    “A inelegibilidade não se aplica aos gestores públicos que tenham tido suas contas julgadas irregulares com a imposição apenas de multa, sem determinação de ressarcimento de valores aos cofres públicos.”

Processo relacionado: RE 1459224

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