Em decisão recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que, em contratos de empreitada por preço unitário (previstos no art. 6º, inciso XXVIII, da Lei 14.133/2021), é possível realizar pequenas alterações de quantitativos na planilha orçamentária sem a necessidade de celebração de termo aditivo, contanto que certas condições sejam cumpridas. Essa decisão visa aumentar a flexibilidade e eficiência na execução de obras públicas, considerando a natureza variável de certos serviços.
O voto do relator Benjamin Zymler e o acórdão do TCU destacam que as alterações permitidas devem atender a critérios específicos, evitando a necessidade de novos acordos formais e garantindo que o objeto do contrato original seja respeitado.
Fundamentação na Literatura Estrangeira
O relator utilizou dois textos acadêmicos para embasar sua interpretação:
- “Planejamento, Orçamentação e Controle de Projetos e Obras” de Carl Vicente Limmer
- Esse livro aborda diferentes tipos de contratos de construção, diferenciando entre contratos de preço fixo (ou preço global) e contratos de preço unitário. Limmer explica que, enquanto o contrato de preço fixo requer uma definição minuciosa e detalhada de todos os componentes de uma obra para que os custos possam ser orçados com precisão, o contrato de preço unitário permite maior flexibilidade. No contrato de preço unitário, o custo final é calculado com base nas quantidades medidas durante a execução dos serviços, refletindo uma expectativa de variação nas quantidades finais devido a fatores imprevisíveis.O relator usou esse conceito para argumentar que, devido à natureza imprevisível de certas obras (como obras de terraplanagem ou contenção de encostas), é razoável prever ajustes nos quantitativos sem a necessidade de renegociação formal de termos contratuais através de aditivos, desde que essas alterações sejam razoáveis e não modifiquem o objeto licitado.
- “Administração da Construção Civil” de Daniel W. Hapin e Ronald W. Woodhead
- Este livro também distingue contratos de construção por preço global e por preço unitário, destacando que os contratos de preço unitário são mais apropriados para projetos com variabilidade significativa nas condições de execução (como projetos de infraestrutura subterrânea). Hapin e Woodhead enfatizam que o contrato de preço unitário tem a vantagem de permitir ajustes nas quantidades de serviço sem a necessidade de aditivos frequentes, uma vez que essas variações são esperadas e conhecidas de antemão.
O relator citou esses pontos para reforçar sua posição de que a variação nas quantidades de serviços executados é uma característica intrínseca dos contratos por preço unitário. Ele argumentou que, ao adotar essa abordagem, o contrato pode ser mais eficiente e evitar burocracia desnecessária, desde que essas variações não ultrapassem certos limites e não comprometam o valor total do contrato.
Raciocínio baseado na prática internacional
Ao referenciar a literatura estrangeira, o relator buscou alinhar a interpretação da legislação brasileira com práticas amplamente reconhecidas no cenário internacional, onde contratos de empreitada por preço unitário são comuns para projetos com alta incerteza nas quantidades de serviços a serem executados. Ele ressaltou que, na construção civil e em outros setores, é prática comum prever variações quantitativas dentro de limites razoáveis, sem que isso exija formalizações adicionais, contanto que os objetivos contratuais originais e os limites orçamentários sejam respeitados.
Integração com a Lei Brasileira
A fundamentação do relator também alinhou esses conceitos da literatura técnica estrangeira com a Lei 14.133/2021, que regula as licitações e contratos administrativos no Brasil. Ao fazer isso, ele propôs uma interpretação que permite maior flexibilidade operacional e eficiência administrativa, mantendo o rigor na execução financeira e na transparência.
Condições para Alterações de Quantitativos sem Termo Aditivo
As condições fixadas para que as alterações sejam permitidas sem a formalização de um termo aditivo são as seguintes:
- Apostilamento de Pagamento: O pagamento deve ser formalizado por meio de apostilamento da diferença de quantidades, conforme o art. 136 da Lei 14.133/2021. Esse apostilamento deve ser realizado previamente ao pagamento, ou, em casos de necessidade justificada, dentro de um prazo máximo de um mês, conforme o art. 132 da Lei 14.133/2021.
- Preservação do Objeto Licitado: As alterações de quantitativos não devem configurar uma transfiguração do objeto licitado, como definido no art. 126 da Lei 14.133/2021.
- Compatibilidade com a Natureza do Serviço: As mudanças não devem se referir a erros ou alterações de projeto, devendo decorrer de imprecisões intrínsecas à natureza dos serviços executados, impossíveis de serem estimadas a priori no orçamento.
- Limites Qualitativos e Quantitativos: Não pode haver inclusão de novos serviços ou modificações qualitativas que alterem as dimensões globais do objeto licitado.
- Definição de “Pequenas Alterações”: O que se considera como “pequenas alterações de quantitativos” deve ser especificado de forma razoável no instrumento convocatório.
- Diferença Percentual entre Contrato e Referência: A diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço global de referência não deve ser reduzida em favor do contratado, evitando práticas conhecidas como “jogo de planilhas” (art. 128 da Lei 14.133/2021).
- Sem Elevação do Valor Contratual: As alterações não devem resultar em aumento do valor contratual.
- Motivação e Memória de Cálculo: Deve haver motivação documentada, acompanhada de memória circunstanciada de cálculo, para as supressões e acréscimos realizados.
- Limite Legal para Aditamentos: As supressões e os acréscimos devem respeitar o limite legal de 25% (ou 50% para reformas de edificação ou equipamentos) de aditamento contratual, sem compensação entre eles, conforme estipulado no Acórdão 749/2010-TCU-Plenário.
Contexto e aplicação da decisão
A decisão do TCU, fundamentada no texto da Lei 14.133/2021, reflete uma evolução na jurisprudência do tribunal quanto à gestão de contratos de obras públicas, especialmente aqueles sujeitos a variações imprevisíveis de quantitativos. A decisão foi proferida em um relatório de auditoria sobre obras de contenção de encostas no Rio de Janeiro/RJ, conforme o programa PAC2.
A medida visa a otimizar a administração pública, conferindo mais agilidade e precisão nos ajustes necessários durante a execução dos contratos, ao mesmo tempo que preserva a transparência e a responsabilidade na utilização dos recursos públicos.
Questão jurídica envolvida
A decisão aborda a possibilidade de realizar ajustes contratuais de menor monta sem a necessidade de formalização de termo aditivo, desde que atendidas condições que garantam a legalidade e a conformidade do contrato com o objeto originalmente licitado, conforme os preceitos da Lei 14.133/2021.
Legislação de Referência
- Lei 14.133/2021: Define os critérios para contratações públicas, incluindo empreitadas por preço unitário e as condições para alterações contratuais.
- Art. 6º, inciso XXVIII: Define o que é empreitada por preço unitário.
- Art. 126, 128, 132, 136: Regulamentam aspectos específicos sobre alterações contratuais e formalização de pagamentos em contratos públicos.