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Justiça Federal ordena concessão de Bolsa Família a homem que vive sozinho, apesar de limite estabelecido em portaria

Decisão afirma que portaria que limita concessão a famílias unipessoais não pode restringir direito previsto em lei federal

A 4ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a concessão do benefício do Programa Bolsa Família (PBF) a um homem de 58 anos, residente no bairro Bom Jesus, na capital gaúcha. O pedido pelo auxílio havia sido inicialmente negado com base em uma portaria que limita o número de beneficiários unipessoais por município. A decisão, proferida pelo juiz Bruno Risch Fagundes de Oliveira, reconheceu que o homem, em situação de extrema pobreza, atende aos requisitos da Lei 14.601/2023, que regula o PBF.

Fundamentação da decisão

O autor da ação, que vive sozinho e está desempregado desde 2022, com problemas de saúde que o impedem de trabalhar, ingressou com a ação após ter seu pedido negado pela União. Ele argumentou que, apesar de preencher os critérios para o benefício, foi informado que, por morar sozinho, não se enquadrava nos grupos prioritários estabelecidos pela portaria de agosto de 2023.

A União, em sua defesa, sustentou que a concessão do benefício para famílias unipessoais estava condicionada a um limite de 16% de beneficiários totais por município. Em Porto Alegre, a porcentagem de famílias unipessoais beneficiárias era de 24,65%, superando o limite estipulado pela portaria, o que justificaria a negativa do auxílio ao requerente.

O juiz Bruno Risch Fagundes de Oliveira destacou que, embora a portaria estabeleça critérios adicionais, ela não pode restringir o direito previsto na Lei 14.601/2023. Ele ressaltou que a função das portarias é complementar as leis, não limitá-las. A lei federal que institui o PBF não estabelece tal limitação para concessão a famílias unipessoais, sendo suficientes os requisitos de renda e composição familiar para o deferimento do benefício.

Decisão final

A sentença concluiu que o homem, ao comprovar que vive sozinho e possui renda mensal inferior a R$ 218,00, se enquadra nos critérios estipulados pela lei para o recebimento do Bolsa Família. Portanto, o juiz determinou a concessão do benefício e o pagamento das parcelas atrasadas desde setembro de 2023, quando o autor fez o pedido. A União optou por não recorrer da decisão, que já se encontra em fase de cumprimento de sentença.

Questão jurídica envolvida

A decisão aborda a aplicação do Programa Bolsa Família, considerando a primazia da lei federal sobre portarias administrativas que tentam impor limites adicionais não previstos na legislação, reforçando a importância de garantir acesso aos direitos sociais.

Legislação de referência

Lei 14.601/2023:

A Lei 14.601/2023 regulamenta o Programa Bolsa Família (PBF), estabelecendo critérios de elegibilidade e procedimentos para a concessão do benefício às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza no Brasil. Abaixo, os artigos relevantes detalhados:

  • Art. 2º: “Para efeito de concessão do benefício do Programa Bolsa Família, considera-se família beneficiária aquela que, inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, atenda aos seguintes critérios de elegibilidade: I – renda familiar per capita igual ou inferior a R$ 218,00 (duzentos e dezoito reais) mensais; II – cumprimento de compromissos nas áreas de saúde, educação e assistência social, definidos pelo poder público; III – inscrição e atualização regular dos dados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.”
  • Art. 3º: “O benefício será concedido às famílias que cumpram os requisitos de elegibilidade estabelecidos nesta Lei, sem prejuízo de outras disposições regulamentares que visem à ampliação do alcance social do programa, respeitados os limites orçamentários e financeiros fixados na lei orçamentária anual.”

Portaria de agosto de 2023:

Esta portaria foi emitida pelo Ministério da Cidadania e estabelece diretrizes complementares para o Programa Bolsa Família, especificamente quanto à inclusão de novas famílias unipessoais (famílias compostas por apenas uma pessoa) no benefício. Detalhes dos artigos relevantes:

  • Art. 1º: “Fica estabelecido que, para o ingresso de novas famílias unipessoais no Programa Bolsa Família (PBF), a taxa de beneficiários nesta modalidade não deverá exceder 16% (dezesseis por cento) do total de beneficiários do município.”
  • Art. 2º: “A determinação prevista no artigo anterior visa garantir a distribuição equitativa dos recursos destinados ao Programa Bolsa Família, observando-se o princípio da razoabilidade e proporcionalidade na concessão dos benefícios, tendo em vista a capacidade orçamentária da União.”

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW):

A CEDAW é um tratado internacional ratificado pelo Brasil que visa eliminar a discriminação contra mulheres e promover a igualdade de gênero. Os artigos relevantes à decisão judicial incluem:

  • Art. 3º: “Os Estados Partes tomarão em todas as esferas, e em especial nos campos político, social, econômico e cultural, todas as medidas apropriadas, incluindo a promulgação de leis, para garantir o pleno desenvolvimento e progresso das mulheres, com o objetivo de assegurar-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em condições de igualdade com os homens.”

Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ):

Este protocolo fornece orientações para magistrados brasileiros, promovendo uma interpretação legal que considere as desigualdades de gênero e outros fatores contextuais. Os pontos mais pertinentes são:

  • Seção 2: “Os magistrados devem considerar as desigualdades de gênero historicamente construídas ao proferirem suas decisões, assegurando que a aplicação da lei não perpetue discriminações ou desigualdades.”
  • Seção 5: “Na interpretação das leis, deve-se adotar uma abordagem que promova a igualdade material, especialmente em contextos que envolvam direitos sociais, econômicos e de saúde, garantindo que todas as decisões sejam justas e equitativas.”

Constituição Federal do Brasil (1988):

A Constituição Federal de 1988 estabelece os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, incluindo o direito à assistência social e à segurança alimentar. Os artigos relevantes incluem:

Art. 203: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

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