Justiça Federal concede pensão por morte a mulher vítima de violência doméstica

A união estável não poderia ser desconsiderada devido às separações temporárias, pois estas foram motivadas pela violência doméstica e pela necessidade de proteção da autora e de seus filhos

A Justiça Federal, por meio da 4ª Vara Federal de Joinville, concedeu o benefício de pensão por morte a uma mulher que foi vítima de violência doméstica por parte de seu companheiro, com quem mantinha uma união estável. A morte do companheiro ocorreu em 2009, quando ele foi atingido por um golpe de machado na cabeça, após invadir a casa da mulher em desrespeito a uma ordem de restrição.

Histórico de agressões e o julgamento

A autora do pedido relatou que sofreu diversas agressões ao longo da convivência, o que a obrigava a fugir com seus filhos para a casa de familiares. O companheiro chegou a ser preso três vezes devido às agressões, sendo que a última prisão durou oito anos. Quando foi liberado, ele desrespeitou a medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha e foi até a casa da autora, onde ocorreu a luta que culminou em sua morte. A mulher foi julgada pelo Tribunal do Júri e absolvida da acusação de homicídio.

Aplicação do Protocolo de Perspectiva de Gênero e a decisão do juiz

Na análise do caso, o juiz Gabriel Urbanavicius Marques aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero de 2021, emitido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O magistrado considerou a situação de vulnerabilidade da autora, que não é alfabetizada, nunca teve vínculos empregatícios formais durante a união estável, e à época do falecimento do companheiro, era responsável por dois filhos pequenos.

O juiz Marques destacou que a união estável não poderia ser desconsiderada devido às separações temporárias, pois estas foram motivadas pela violência doméstica e pela necessidade de proteção da autora e de seus filhos. Além disso, o fato de a autora manter o mesmo endereço que o companheiro até a data do óbito indicava uma dependência econômica, característica em casos de violência doméstica.

Reconhecimento da união estável e concessão do benefício

Com base nas provas apresentadas e na perspectiva de gênero, a Justiça Federal reconheceu a existência de união estável desde 1999, ano do nascimento do filho mais velho do casal, até o falecimento do companheiro em 16 de abril de 2009. O juiz também reafirmou que a autora, absolvida da acusação de homicídio, não pode ser considerada pensionista indigna.

O benefício de pensão por morte foi concedido retroativamente a partir de 11 de setembro de 2022, data em que a autora fez o requerimento administrativo. Cabe recurso da decisão.

Questão jurídica envolvida

O caso envolve a aplicação de princípios de vulnerabilidade e perspectiva de gênero em decisões sobre benefícios previdenciários. A decisão reforça a proteção legal a vítimas de violência doméstica e reconhece a importância da dependência econômica na caracterização de união estável, mesmo em contextos de separações temporárias causadas por violência.

Legislação de referência:

  • Constituição Federal:
    • Art. 226, §3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
  • Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha):
    • Art. 22: “Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas, aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência: […]”
  • Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ, 2021):
    • “O protocolo visa orientar a atuação dos magistrados na adoção de medidas que assegurem o acesso à justiça em igualdade de condições, considerando as especificidades e vulnerabilidades das mulheres em processos judiciais.”
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