Se há algum consenso entre estudiosos do Direito e das Ciências Sociais, é o de que os últimos anos têm sido marcados por progressiva complexidade social.
Uma complexidade aparentemente incompreensível e com reflexos nas relações, cada vez mais intrincadas e conflituosas, entre os mais diversos atores e instituições sociais. Instituições que reinavam soberanas, hoje, sofrem para fazer valerem seus comandos: falta-lhes enforcement; surgem novas tecnologias e mercados supranacionais cujo funcionamento não se conhece por completo, e que, no entanto, geram problemas concretos a seres humanos concretos.
Torna-se cada vez mais tênue a fronteira entre o político, o técnico e o jurídico e, por consequência, os próprios critérios de legitimidade decisória em cada uma dessas esferas acaba por gerar confusões sobremodo onerosas; falta, por fim, coordenação entre essas distintas instâncias decisórias. Muitos outros problemas poderiam ser incluídos nessa lista. É possível que tenhamos deixado de entender o mundo, para ficar com o título do livro de Benjamín Labatut.
A paralisia é reação comum ao incompreensível. Mas ela não resolve o problema. Esse caos aparentemente insolúvel, então, precisa ser organizado e reorganizado. Precisa ser compreendido. Precisa, numa palavra, ser inteligentemente regulado. E na regulação a paralisia é reação proibida: a regulação, afinal, pressupõe movimento. Pressupõe segurança, estabilidade e coerência, claro; mas segurança, estabilidade e coerência estão longe de serem sinônimos de paralisia. A regulação não pode prescindir de adaptação às mudanças sociais, tecnológicas, científicas, políticas. De movimento: regulação, enfim, é movimento. Ela pressupõe adaptação às mudanças e, ao mesmo tempo, opera como ordenação dessas mesmas mudanças. Ela é paradoxal e complexa, como, afinal, o próprio Direito.
Como nem poderia ser diferente, o estudo da regulação também está condenado ao paradoxo da complexidade: ele exige, e ao mesmo tempo, conhecimentos específicos e abrangentes, multidisciplinares. Exige que se conheça os pormenores econômicos e técnicos de um setor regulado ou a se regular, mas também a análise cuidadosa das relações desse setor com o ambiente que o circunda. E esse ambiente cujo conhecimento é necessário é amplo: falamos de direitos, restrições normativas, riscos e, na outra ponta, de setores, agentes econômicos e cidadãos potencialmente afetados por cada decisão regulatória. Conhecer esse ambiente, em síntese, importa muito.
Qualquer conhecimento recortado de um setor regulado terá pontos cegos que somente uma visão holística e multidisciplinar será capaz de identificar. Por outro lado, o conhecimento do todo sem a atenção às especificidades de suas partes – ou, no caso, das vicissitudes do setor regulado – pode ser generalista a ponto de, também aqui, faltar-lhe a lente necessária para identificar e resolver problemas concretos. Para compreendermos e aprimorarmos a regulação, carecemos de ambos, juntos.
Regular é, acima de tudo, estabelecer as regras para uma vida em sociedade tão harmoniosa e segura quanto possível. As regras que ditarão os rumos do desenvolvimento econômico, pressuposto para a liberdade humana. Além disso, a atividade regulatória é fator e etapa essencial para a implementação de políticas públicas pelo Estado. Falar de regulação, então, é falar de Direito, de Economia, de Ciência, de Política. Não raro, é falar de tudo isso ao mesmo tempo. Sozinhos, esses ramos – ou subsistemas – sociais serão fatalmente insuficientes para que se compreenda a regulação de forma a resolver os problemas de um mundo tão complexo. E, no entanto, é muito comum que algum ou vários desses elementos sejam ignorados ou mesmo desprezados quando se regula ou quando se escreve sobre a regulação. O resultado não poderia ser outro: uma regulação cega, limitada e, muitas vezes, perniciosa, que não atende às finalidades que justificam sua existência.
O estudo da regulação, assim, carece de gente desses variados ramos do conhecimento humano. Nem juristas, nem tecnocratas, nem políticos devem ter o monopólio da palavra final em matéria de regulação. E, não obstante, todos podem ter muito a contribuir nesse debate, de modo a gerar aprendizados recíprocos e, no final das contas, a almejada melhoria regulatória.
Duas novidades trazidas à comunidade jurídica pelos subscritores deste texto partem precisamente dessas premissas: o Instituto Brasileiro de Direito Regulatório (IBDRE) e sua coluna específica, Regulação em Movimento.
O IBDRE, rebento da iniciativa de estudiosos do Direito Regulatório de diversos localidades do Brasil, vem para ser voz ativa, plural e responsável nos principais debates regulatórios do país. Nesse contexto, dentro da sua missão de contribuir com um cenário regulatório técnico, efetivo e independente para todos os setores regulados, o IBDRE procura fomentar o desenvolvimento do Direito Regulatório brasileiro, em prol do desenvolvimento econômico e do bem-estar da sociedade brasileira.
Suas quatorze comissões temáticas, cada uma voltada a um setor regulado e composta por membros de variadas áreas do conhecimento, todos com vasta atuação prática e teórica na área, farão as vezes de uma ponte para o aprimoramento regulatório de que o país tanto precisa.
Nesse contexto, o IBDRE possui quatorze comissões temáticas: Rodovias e Ferrovias, Portos, Aeroportos, Comunicação, Energia, Saneamento Básico, Petróleo e Gás, Mercado Financeiro e Ativos Digitais, Saúde, Educação, Mercado de Carbono, Proteção de Dados Pessoais, Apostas e Mineração.
A coluna Regulação em Movimento, por sua vez, é um dos espaços em que essa fervilhante multiplicidade de ideias, das variadas comissões do IBDRE, se apresentará ao escrutínio público. A cada quinzena, será publicado o texto de uma das diversas comissões temáticas do IBDRE, enfrentando algum problema concreto vivenciado por seu setor regulado e, se possível, propondo alguma solução responsável para ele.
E, importante: em linguagem acessível ao público que não domina a linguagem técnica da regulação, porque, ao contrário do que muitos podem presumir, a regulação não é assunto apenas para tecnocratas, nem apenas para juristas. É assunto para todos que possam ser por ela afetados.
Enfim, os membros do IBDRE se uniram para pensar e participar ativamente da construção de uma regulação inteligente, sóbria e que respeite direitos. Trazer conhecimento científico ao debate público sobre a regulação é um compromisso do IBDRE. Um compromisso do IBDRE com o desenvolvimento do país. Em nome do IBDRE, convidamos você, caro leitor, cara leitora, a conhecer o instituto e a acompanhar a nossa coluna, a Regulação em Movimento. A ser, assim, também uma voz ativa dos debates sobre os aprimoramentos da regulação no país. Seja muito bem-vindo, seja muito bem-vinda!
Excelente contribuição do IBDRE e da Catedras para o tema da Regulação. Sucesso e vida longa!