A Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou, na última sexta-feira (06/09), um pedido de reexame ao Tribunal de Contas da União (TCU), buscando modificar o entendimento recente da Corte de que os presentes recebidos por presidentes da República, durante o exercício de seus mandatos, são itens privados, e não bens públicos da União. A decisão que motivou o recurso está registrada no Acórdão 1.585/2024.
Segundo a AGU, essa nova interpretação contraria precedentes estabelecidos pelos Acórdãos 2.255/2016 e 326/2023, além de violar princípios constitucionais como o da moralidade administrativa e causar danos ao patrimônio cultural da União. O pedido da AGU baseia-se na compreensão de que presentes oferecidos durante eventos diplomáticos ou visitas oficiais devem ser considerados bens da União, conforme o artigo 20 da Constituição Federal.
Argumentos jurídicos da AGU
A AGU defende que o artigo 20 da Constituição Federal inclui como bens da União aqueles que lhe pertencem ou que lhe forem atribuídos, o que se aplicaria a presentes recebidos por chefes de Estado. Além disso, a AGU cita a Lei 8.394/1991 e a Lei 14.600/2023, que estabelecem procedimentos de transparência e controle de bens da Presidência da República, como reforço ao argumento de que tais itens não podem ser usufruídos livremente pelos ocupantes do cargo.
Outro ponto levantado pela AGU é que a aplicação retroativa da nova interpretação do TCU poderia gerar devoluções indevidas de presentes já incorporados ao patrimônio da União. A AGU argumenta que tal retroatividade violaria o artigo 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que veda a aplicação retroativa de novas interpretações normativas.
Recomendação do TCU sobre catalogação de presentes
Na decisão contestada pela AGU, o TCU recomendou que o governo federal estabelecesse um prazo de 30 dias para a catalogação dos presentes recebidos por presidentes da República. A AGU, no entanto, afirma que esse procedimento já é realizado pelo gabinete pessoal da Presidência da República, com base nas normas vigentes.
O caso do relógio presenteado a Lula
O debate sobre a natureza dos presentes presidenciais no TCU foi iniciado por uma representação apresentada por um deputado federal, que alegou que o presidente Luís Inácio Lula da Silva mantinha em sua posse um relógio presenteado pelo presidente da França em 2005. A investigação realizada pela Unidade de Auditoria Especializada em Governança e Inovação do TCU (AudGovernança) concluiu que o relógio foi um presente da própria fabricante, não de chefes de Estado, e, portanto, não se enquadraria nas diretrizes que exigem a incorporação do item ao patrimônio público.
Além disso, a AGU informou que o presidente Lula não possui interesse pessoal em recorrer da decisão, pois o Acórdão não afeta diretamente sua esfera privada.
Questão jurídica envolvida
A questão jurídica central envolve a interpretação do artigo 20 da Constituição Federal e a definição sobre se presentes recebidos por chefes de Estado, no exercício do cargo, são bens da União ou de caráter privado. A AGU sustenta que, conforme a legislação vigente, esses itens devem ser incorporados ao patrimônio público, conforme a moralidade administrativa e os princípios constitucionais.
Legislação de referência
Artigo 20 da Constituição Federal de 1988: “São bens da União os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos.”
Artigo 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): “A nova interpretação de lei deverá observar a vedação de retroatividade de efeitos negativos.”
Processo relacionado: TC 032.365/2023-3.