Apesar de o termo “Bioética” parecer recente, sua origem remonta à década de 1920. Em 1927, o filósofo alemão Fritz Jahr já mencionava a nomenclatura em seu artigo sobre Bioética Integrativa, discutindo a integração entre plantas, animais e seres humanos. Contudo, o termo só ganhou notoriedade quando o oncologista norte-americano Van Potter lançou seu livro intitulado Bioethics: A Bridge to the Future (Bioética: A Ponte para o Futuro).
No Brasil, a professora Heloisa Helena Barboza, da UERJ, simplifica o conceito como sendo a “ética da vida”. Já o professor Vicente Barreto define Bioética como “o ramo da filosofia moral que estuda as dimensões morais e sociais das técnicas resultantes do avanço do conhecimento nas ciências biológicas”.
A Bioética tem uma natureza transdisciplinar, fundamentada em áreas como Medicina, Biologia, Filosofia e Ética. Exemplificando essa teoria na prática, podemos lembrar das terríveis experiências com seres humanos realizadas durante o período nazista, que violavam qualquer código de ética médica. Em resposta a essas atrocidades, foi editada a Declaração de Nuremberg, resultado do julgamento de 22 médicos nazistas. Esse documento é um marco importante na defesa da autonomia.
Inicialmente, com a propagação do termo na década de 1970, a Bioética desenvolveu-se com base em princípios, configurando-se como uma Bioética Principialista. Os estudiosos Childress e Beauchamp tiveram uma influência direta nesse aspecto, ao publicarem a obra Princípios de Ética Biomédica, que culminou na edição do Relatório de Belmont em 1978, trazendo à tona os seguintes princípios: Justiça, Beneficência, Não-Maleficência e Autonomia. Esses princípios elevaram as relações entre médicos, pacientes e a sociedade a um novo patamar, privilegiando a vontade do paciente.
Na década de 1990, Volnei Garrafa introduziu o movimento da Bioética Interventiva, propondo uma visão ampliada, crítica, politizada e comprometida com o social, com o objetivo de reduzir as disparidades socioeconômicas e sanitárias. Esse conceito se alinha ao Princípio da Justiça, no sentido de justiça distributiva em saúde e meio ambiente, especialmente em países em desenvolvimento.
Em síntese, a Bioética enquadra-se no ramo da zetética jurídica, ou seja, pertence à filosofia, trazendo questionamentos diante das tecnologias e biotecnologias.
Por outro lado, o Biodireito, como explicam Maria de Fátima Sá e Bruno Torquatto, é do ramo da dogmática jurídica, ou seja, da área do Direito. Tércio Sampaio Ferraz Júnior aponta que a dogmática possui dois postulados: a inegabilidade dos pontos de partida e a exigência de resposta aos problemas levantados. O Biodireito complementa a Bioética, embora sejam de ramos distintos. Adriana Maluf afirma que o Biodireito é um ramo do Direito Público associado à Bioética, estudando as relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos conectados à medicina e à biotecnologia, e as peculiaridades relacionadas ao corpo e à dignidade da pessoa humana.
O Biodireito abrange principalmente cinco áreas: Bioética, Direito Civil, Direito Penal, Direito Ambiental e Direito Constitucional. À luz do artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, que proclama a liberdade da atividade científica como um dos direitos fundamentais, o Biodireito também aborda questões conflitantes como aborto, eutanásia, suicídio assistido, inseminação artificial, transplante de órgãos, organismos geneticamente modificados (OGM) e clonagem terapêutica e científica.
Dessa forma, tanto a Bioética quanto o Biodireito preocupam-se com a vida em sua forma plena – animal e vegetal – e com o impacto das tecnologias na vida humana em meio à evolução social. Hoje, situações que outrora pareciam ficção científica são uma realidade concreta. O futuro, como se diz, é agora.
Referências
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Função Social da Dogmática Jurídica. 2. ed. São Paulo: ed. Atlas. 2015.
MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Bioética e Biodireito. 4. ed. São Paulo: Ed. Almedina. 2020.
SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquatto de Oliveira. Bioética e Biodireito. 6. ed. São Paulo: Foco. 2023.
Sobre o autor:
Advogada consumerista, especialista em Bioética e Biodireito, Mestra pela Unesa e Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB Niterói