O Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou 36 portarias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania que haviam revogado a anistia política concedida a cabos da Força Aérea Brasileira (FAB) afastados no início do regime militar. A decisão foi tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 777, concluído em sessão virtual em 28/2/2025.
Mas quais foram os fundamentos jurídicos para essa decisão? Entenda a seguir os argumentos do STF e os impactos do julgamento.
Contexto do caso: anistia e revogação das portarias
A anistia política dos cabos da FAB afastados pela Portaria 1.104/1964 do Ministério da Aeronáutica foi reconhecida por atos administrativos expedidos entre 2002 e 2005 pela Comissão de Anistia. No entanto, em 2020, o então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos anulou 313 dessas anistias, alegando falta de comprovação de perseguição exclusivamente política.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ingressou com a ADPF 777, questionando a legalidade da revogação em massa dessas anistias. A OAB argumentou que a medida violava a segurança jurídica, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, pois os anistiados não teriam sido previamente notificados.
Embora a ação questionasse todos os 313 atos anulados, a decisão do STF se restringiu a 36 portarias, pois as demais já haviam sido invalidadas por outras decisões judiciais ou administrativas.
Fundamentos jurídicos da decisão do STF
A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, destacou que a revogação das anistias ocorreu de forma generalizada, sem considerar a situação específica de cada beneficiado. Segundo a ministra, as portarias tinham redação padronizada e justificavam a anulação apenas com a alegação de “ausência de comprovação de perseguição exclusivamente política”.
O STF entendeu que essa generalização contraria a segurança jurídica e o entendimento fixado no Recurso Extraordinário (RE) 817338, no qual a Corte estabeleceu que a revisão da anistia só é possível se for demonstrada a ausência de motivação política e garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa em procedimento administrativo.
Além disso, a ministra ressaltou que a administração pública não pode ignorar a legítima expectativa dos anistiados sobre a validade dos atos, especialmente quando se trata de benefícios de natureza alimentar e concedidos há quase duas décadas.
Divergência no julgamento
O ministro Dias Toffoli abriu divergência e votou pela inadmissibilidade da ação, argumentando que seria necessária a análise individualizada de cada caso. No mérito, ele considerou que a OAB não teria comprovado que os anistiados não participaram dos processos administrativos que resultaram na revogação do benefício.
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça acompanharam esse entendimento. Já o ministro Gilmar Mendes também votou contra, mas apenas com relação à admissibilidade da ADPF.
Por maioria, contudo, prevaleceu o voto da relatora, declarando a inconstitucionalidade das 36 portarias restantes.
Legislação de referência
Portaria 1.104/1964
A Portaria 1.104/1964, do Ministério da Aeronáutica, determinou o afastamento de cabos da Força Aérea Brasileira sem estabilidade, estabelecendo critérios específicos para a dispensa desses militares durante o regime militar.
Lei 10.559/2002
A Lei 10.559/2002 regulamenta a concessão de anistia política e define os direitos dos anistiados. O artigo 2º estabelece:
Art. 2º São considerados anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da publicação da Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, foram atingidos, em qualquer grau, por atos institucionais ou complementares, ou por portarias e outros atos administrativos, que tenham cassado mandatos eletivos, suspenso direitos políticos ou impuseram punições de qualquer natureza.
Recurso Extraordinário (RE) 817338
No julgamento do RE 817338, o STF fixou a tese de que a revisão da anistia política concedida a cabos da FAB é possível apenas se for comprovada a ausência de motivação política no ato concessivo e garantido ao anistiado o devido processo legal, com respeito ao contraditório e à ampla defesa.
Processo relacionado: ADPF 777