O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) se aplica a crimes de sequestro e cárcere privado cometidos durante a ditadura militar. O tema ganhou repercussão geral no Plenário Virtual da Corte e terá impacto em outros processos semelhantes. Mas quais são os fundamentos dessa discussão e quais podem ser suas consequências?
A análise ocorre no âmbito de três processos relacionados ao desaparecimento forçado do ex-deputado Rubens Paiva, do jornalista Mário Alves e do militante Helber Goulart, opositores do regime militar. O Ministério Público Federal (MPF) questiona decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que entenderam que esses crimes estavam abrangidos pela Lei da Anistia e extinguiram as ações penais contra os acusados.
Qual é a questão jurídica em debate no STF?
A principal controvérsia jurídica gira em torno da interpretação da Lei da Anistia no que se refere a crimes permanentes, ou seja, aqueles cujos efeitos continuam ocorrendo ao longo do tempo. O MPF sustenta que crimes como sequestro e cárcere privado ainda não tiveram sua consumação encerrada, uma vez que as vítimas seguem desaparecidas. Dessa forma, esses delitos não poderiam ser abrangidos pela anistia concedida em 1979.
Por outro lado, as instâncias inferiores vinham aplicando o entendimento de que a Lei da Anistia se estende a todos os crimes políticos e conexos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, conforme estabelecido pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, em 2010.
Fundamentos jurídicos da análise no STF
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que o julgamento da ADPF 153 não tratou expressamente da aplicação da anistia a crimes permanentes. Além disso, destacou que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por omissão na responsabilização de agentes estatais envolvidos em crimes contra opositores do regime militar.
Segundo Moraes, os processos em tramitação oferecem uma nova oportunidade para que o STF analise a questão sob a ótica da atual ordem constitucional, que prioriza a proteção dos direitos humanos. Ele enfatizou que o tema possui relevância para o debate jurídico nacional e que a decisão a ser tomada servirá de precedente para casos semelhantes.
Impactos da decisão do STF
A tese que será fixada pelo STF no julgamento do mérito vinculará os demais tribunais brasileiros. Caso a Corte entenda que crimes permanentes não são abrangidos pela Lei da Anistia, ações penais contra agentes do Estado poderão ser reabertas. Isso pode representar uma mudança na jurisprudência estabelecida desde 2010, quando o STF validou a Lei da Anistia sem ressalvas.
Por outro lado, se a Corte reafirmar o entendimento anterior, os processos permanecerão arquivados, consolidando a anistia como um instrumento de pacificação nacional, ainda que contestado por organismos internacionais de direitos humanos.
Legislação de referência
Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia)
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes.
Art. 2º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
Constituição Federal de 1988
Art. 5º, inciso XLIII A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
ADPF 153
Julgamento do STF que validou a Lei da Anistia, mantendo sua aplicação a crimes políticos e conexos cometidos no período definido pela norma.
Processos relacionados: ARE 1316562, RE 881748, ARE 1501674