O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que provas obtidas em buscas e apreensões domiciliares sem mandado judicial são lícitas quando há fundadas razões que indiquem a ocorrência de crime. Mas quais são os critérios para justificar essa medida? Entenda o julgamento e seus impactos.
A decisão do Plenário diverge do entendimento anteriormente adotado pela Segunda Turma no Habeas Corpus (HC) 246965, em que se considerou ilícita a obtenção de provas em situação semelhante. Na ocasião, a Turma concluiu que o ingresso policial sem mandado violava a inviolabilidade do domicílio, levando à anulação das provas. No julgamento do RE 1492256, porém, o STF fixou novos critérios para legitimar a atuação policial sem ordem judicial.
Contexto do caso analisado
O caso julgado envolveu uma operação policial na Vila Barigui, em Curitiba (PR). Durante patrulhamento, agentes da Polícia Militar notaram comportamento suspeito de três indivíduos em frente a uma residência. Ao perceberem a aproximação da viatura, um deles fugiu para dentro do imóvel, enquanto uma mulher, dentro de um carro, jogou um porta-moedas pela janela. No objeto, foram encontradas drogas.
Diante da situação, e com autorização de uma moradora, os policiais entraram na casa, onde apreenderam grande quantidade de entorpecentes. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) condenou os acusados por tráfico de drogas. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas, sob o argumento de que não houve investigação prévia que justificasse a invasão do domicílio sem mandado judicial.
Questão jurídica em debate
O cerne do julgamento foi a aplicação da tese fixada no Tema 280 da repercussão geral. O STF já havia decidido que a entrada forçada em domicílio sem mandado é permitida quando há flagrante delito, desde que existam fundadas razões que indiquem a prática criminosa, as quais devem ser posteriormente justificadas.
A Segunda Turma do STF havia mantido o entendimento do STJ, exigindo a existência de investigações prévias ou campana policial para fundamentar a entrada dos agentes no domicílio. O Ministério Público do Paraná (MPPR), por sua vez, argumentou que, em casos semelhantes, a Primeira Turma do STF adotou posicionamento diverso, reconhecendo a validade da prova obtida nessas circunstâncias.
Fundamentação do STF para validar as provas
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que destacou que a conduta dos agentes policiais seguiu os parâmetros estabelecidos pelo próprio STF no Tema 280 da repercussão geral. Segundo ele, os crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico possuem natureza permanente, de modo que o estado de flagrância persiste enquanto a atividade ilícita estiver em curso.
O ministro enfatizou que a entrada dos policiais no domicílio foi respaldada por fundadas razões, especialmente pelo comportamento suspeito e tentativa de fuga dos envolvidos. “A justa causa não exige certeza absoluta da ocorrência do delito, mas sim indícios concretos que demonstrem a necessidade da ação policial”, afirmou Moraes.
Foram vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Gilmar Mendes, que entenderam que os embargos de divergência não eram cabíveis no caso.
Impactos e repercussão da decisão
Com a decisão do Plenário, consolida-se o entendimento de que a entrada em domicílio sem mandado judicial é válida quando há fundadas razões indicativas de crime permanente, como o tráfico de drogas. O julgamento reforça o posicionamento do STF de que a atuação policial, quando devidamente motivada, não configura violação de domicílio, conforme previsto no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal.
A decisão também tem impacto direto sobre a atuação das forças de segurança, garantindo maior segurança jurídica para ações de repressão ao tráfico. Além disso, orienta juízes e tribunais na análise da legalidade das provas obtidas em operações semelhantes.
Legislação de referência
Constituição Federal – Artigo 5º, inciso XI:
“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”
Processo relacionado: RE 1492256