O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) se aplica também a casais homoafetivos masculinos e mulheres trans em situações de violência doméstica. Mas quais os fundamentos dessa decisão e como isso impacta a proteção das vítimas?
Neste artigo, explicamos o julgamento e suas consequências para a ampliação das medidas protetivas no Brasil.
O que motivou a decisão do STF?
A ação foi movida pela Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH), que alegou omissão legislativa na proteção de homens gays e bissexuais em relações familiares e de mulheres trans vítimas de violência doméstica. Segundo a entidade, a ausência de normas específicas resultava em dificuldades para obter medidas protetivas e assistência estatal adequada.
O pedido visava o reconhecimento da mora legislativa e a extensão da Lei Maria da Penha a esses grupos, até que o Congresso Nacional regulamente a matéria de forma expressa.
Fundamentos jurídicos da decisão
O relator, ministro Alexandre de Moraes, destacou que a proteção da dignidade da pessoa humana e a proibição da discriminação (artigos 1º, III, e 3º, IV, da Constituição) exigem que a legislação acompanhe a evolução social.
Além disso, citou precedentes do STF em favor da população LGBTQIA+, como o reconhecimento da união homoafetiva (ADI 4.277) e a criminalização da homofobia e transfobia (ADO 26). A Corte entendeu que a Lei Maria da Penha não pode se restringir a mulheres cisgênero, pois sua finalidade é proteger vítimas de violência baseada em desigualdade de gênero e relações de poder no ambiente doméstico.
Impactos da decisão e aplicação prática
Com a decisão, homens gays e mulheres trans poderão acessar delegacias especializadas, solicitar medidas protetivas e contar com o suporte da rede de enfrentamento à violência doméstica, nos mesmos moldes aplicáveis às mulheres cisgênero.
Além disso, a decisão reforça o dever do Estado de garantir segurança e igualdade no acesso à Justiça, independentemente da identidade de gênero ou orientação sexual. A interpretação do STF orientará tribunais e autoridades de segurança pública em todo o país.
Legislação de referência
Constituição Federal de 1988
- Art. 1º, III – A República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
- Art. 3º, IV – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
- Art. 5º, XLI – A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
- Art. 226, §8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)
- Art. 2º – Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência.
- Art. 5º – Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
- Parágrafo único do Art. 5º – As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
- ADO 26 – STF reconheceu a homofobia e transfobia como crimes equiparados ao racismo.
Processo relacionado: MI 7452