A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a mera substituição do salário mínimo como indexador de correção monetária em contratos imobiliários não afasta a mora dos compradores inadimplentes. A decisão foi tomada no julgamento de um recurso especial interposto por uma imobiliária contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que havia afastado a inadimplência dos compradores ao considerar ilegal a vinculação do contrato ao salário mínimo.
Questão jurídica envolvida
O caso envolveu contratos de compromisso de compra e venda de lotes firmados em 1988, que utilizavam o salário mínimo como indexador para correção monetária. Com a instabilidade econômica da época, os contratos passaram por aditivos que alteraram os índices de correção. Os compradores ajuizaram uma ação revisional para obter nova avaliação dos imóveis e refinanciamento das dívidas.
O TJPR reconheceu a ilegalidade da cláusula que vinculava o contrato ao salário mínimo e determinou a substituição do indexador pelo INPC/IGP-DI, afastando a mora dos compradores. No STJ, no entanto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a correção monetária serve apenas para preservar o valor da moeda e não representa um ônus adicional ao devedor.
Fundamentos jurídicos do julgamento
A ministra relatora enfatizou que, conforme a jurisprudência do STJ, a mora não pode ser afastada apenas pela constatação da ilegalidade de um encargo acessório do contrato. O entendimento está alinhado ao Tema 972 dos recursos repetitivos, que trata da impossibilidade de descaracterização da mora em contratos bancários mesmo quando há a anulação de encargos considerados abusivos.
No caso concreto, a Terceira Turma do STJ concluiu que os compradores estavam adimplentes até o ajuizamento da ação revisional, e que a inadimplência passou a ocorrer presumivelmente pela expectativa de uma decisão judicial favorável. Dessa forma, afastou-se a tese de que a mera substituição do indexador justificaria a ausência de pagamento.
Impactos práticos da decisão
A decisão reforça a segurança jurídica nos contratos imobiliários, ao estabelecer que a ilegalidade de um índice de correção monetária não exime o devedor do cumprimento de suas obrigações. Para afastar a mora, seria necessário demonstrar que a cláusula ilegal gerou um ônus excessivo ao comprador, tornando inviável o pagamento das parcelas – o que não ocorreu no caso analisado.
O entendimento do STJ fortalece a estabilidade dos contratos e evita que discussões sobre indexadores sirvam como justificativa para o não pagamento de parcelas.
Legislação de referência
Constituição Federal
Art. 7º, IV – “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família […], sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.”
Código Civil
Art. 394 – “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.”
Art. 884 – “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
Art. 927 – “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Súmula Vinculante 4 do STF
“Salvo os casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de benefício previdenciário.”
Tema 972 do STJ
“Nos contratos bancários celebrados com instituições financeiras, a abusividade de encargos acessórios no período da normalidade contratual não descaracteriza a mora.”
Processo relacionado: Recurso Especial 2.152.890.