O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que a responsabilidade da Administração Pública por encargos trabalhistas não pagos por empresas terceirizadas depende da comprovação de falha na fiscalização do contrato. Mas o que isso significa na prática? Neste artigo, explicamos os fundamentos da decisão e seus impactos.
Contexto do julgamento
A decisão foi proferida pelo Plenário do STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1298647, com repercussão geral reconhecida (Tema 1118). O caso teve origem em uma ação trabalhista na qual um empregado buscava responsabilizar o Estado de São Paulo pelos débitos trabalhistas de uma prestadora de serviços. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia decidido que o ente público deveria responder subsidiariamente pelos valores devidos.
Diante disso, o Estado de São Paulo recorreu ao STF, questionando a inversão do ônus da prova e a imposição automática da responsabilidade subsidiária.
A questão jurídica analisada pelo STF
O principal debate no STF envolveu o dever de fiscalização dos contratos de terceirização firmados pela Administração Pública. A controvérsia girava em torno da necessidade de demonstrar a negligência do poder público na fiscalização para que houvesse responsabilização pelos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa contratada.
Até então, a jurisprudência do TST previa a possibilidade de responsabilização subsidiária do ente público quando houvesse presunção de culpa pela ausência de fiscalização adequada. O STF, no entanto, entendeu que essa presunção não pode prevalecer sem prova concreta da falha administrativa.
Fundamentos da decisão do STF
A corrente vencedora no julgamento seguiu o voto do relator, ministro Nunes Marques, com ajustes propostos por outros ministros. O entendimento consolidado foi o de que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, cabendo à parte autora da ação demonstrar que houve omissão na fiscalização do contrato de terceirização.
Segundo a tese fixada pelo STF, a Administração Pública só poderá ser responsabilizada subsidiariamente se houver prova inequívoca de sua negligência, caracterizada pela inércia do ente público mesmo após notificação formal sobre o descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada.
Votaram com o relator os ministros Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, André Mendonça e Gilmar Mendes. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, que entendiam que caberia ao tomador do serviço provar que fiscalizou, e os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, que defendiam a possibilidade de o juiz decidir, caso a caso, sobre a distribuição do ônus da prova.
Impactos da decisão e repercussão geral
A tese fixada pelo STF tem impacto direto sobre futuras ações trabalhistas que envolvam a responsabilidade subsidiária da Administração Pública. Com a exigência de prova concreta da omissão estatal, empregados e sindicatos que ingressarem com ações contra entes públicos precisarão demonstrar que a fiscalização foi negligente.
Além disso, a decisão reforça a necessidade de órgãos públicos adotarem medidas preventivas na fiscalização dos contratos de terceirização, como exigir garantias financeiras das empresas contratadas e condicionar pagamentos à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas.
Com o reconhecimento da repercussão geral, o entendimento do STF deverá ser aplicado a casos semelhantes em todo o país, vinculando os tribunais trabalhistas à nova orientação da Corte.
Legislação de referência
Lei 6.019/1974 (Dispõe sobre o trabalho temporário e a terceirização)
Artigo 5º-A, § 3º – “Constitui responsabilidade da empresa contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local previamente convencionado em contrato.”
Artigo 4º-B – “Somente poderá figurar como contratada a pessoa jurídica cujo objeto social único seja a execução de atividades de terceirização e que possua capital social compatível com o número de empregados, observado o disposto no § 1º deste artigo.”
Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos)
Artigo 121, § 3º – “A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo com informações pertinentes a essa atribuição.”
Processo relacionado: RE 1298647