A 1ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou uma decisão da Unidade Estadual de Direito Bancário, que obrigou uma cooperativa de crédito a aceitar o pagamento de uma parcela de financiamento em dinheiro. A ação foi movida por um cliente que havia financiado um trator, parcelando o valor em sete prestações anuais com vencimentos entre 2022 e 2028. Ao procurar o banco para pagar a parcela de 2023 em espécie, o cliente foi informado de que o pagamento só seria aceito caso quitasse antes outra dívida com a instituição, que ele preferia renegociar. Diante da recusa, o cliente ajuizou uma ação de consignação em pagamento, que permite ao devedor depositar o valor judicialmente quando o credor se recusa a aceitar o pagamento.
Argumentação do banco e fundamentos da decisão
Em sua defesa, o banco sustentou que o contrato de financiamento estipulava que os pagamentos deveriam ser realizados exclusivamente por débito em conta. Alegou ainda que, devido à existência de outra dívida em aberto, o cliente deveria realizar o pagamento integral das obrigações pendentes para regularizar a situação. Entretanto, o relator do recurso, desembargador Antônio da Silva, destacou que o cliente procurou o banco para quitar a parcela dentro do prazo, e, portanto, não havia inadimplência na parcela de 2023.
O magistrado também ressaltou que o contrato previa uma autorização para débito em conta, mas não exigia exclusivamente essa forma de pagamento. Além disso, explicou que o direito de o cliente escolher qual dívida deseja saldar primeiro é garantido pelo Código Civil, que assegura ao devedor a liberdade de decidir em qual obrigação deseja imputar o pagamento quando possui mais de uma pendência com o mesmo credor. “A recusa em aceitar o pagamento em espécie configura prática abusiva, pois viola o direito do cliente de saldar suas obrigações em moeda corrente e escolher qual dívida quitar”, frisou o relator.
Princípios legais aplicados e impacto da decisão
A decisão destacou princípios fundamentais do Código Civil, especialmente os artigos 315, 319 e 352, que asseguram o direito de o devedor saldar sua dívida em moeda corrente e o de escolher qual dívida quitar, quando há múltiplas obrigações com o mesmo credor. O colegiado também observou que o direito do consumidor, nesse caso, foi violado, uma vez que a recusa da cooperativa de crédito forçou o cliente a optar por uma dívida específica, interferindo em sua liberdade financeira e impondo condições que não estavam previstas de maneira estrita no contrato.
O relator ainda pontuou que a postura da cooperativa foi contrária ao princípio da boa-fé contratual, que deve guiar as relações entre credor e devedor. A exigência de quitação de outra dívida para aceitar o pagamento em espécie foi considerada abusiva e inconstitucional. Os demais integrantes da 1ª Câmara de Direito Comercial acompanharam o entendimento do relator, e a apelação do banco foi rejeitada por unanimidade.
Questão jurídica envolvida
A questão principal do caso é o direito do cliente de saldar suas dívidas em moeda corrente, sem imposições abusivas quanto à forma de pagamento, além da possibilidade de escolher qual dívida deseja pagar primeiro. A exigência de pagamento exclusivo via débito em conta foi considerada abusiva, desrespeitando a liberdade do consumidor, amparada pelo Código Civil e pela legislação de Direito do Consumidor.
Legislação de referência
- Artigo 315 do Código Civil: “As dívidas em dinheiro deverão ser pagas em moeda corrente.”
- Artigo 319 do Código Civil: “O pagamento deve ser feito no domicílio do devedor, salvo estipulação em contrário.”
- Artigo 352 do Código Civil: “Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário.”
Processo relacionado: 5000657-35.2023.8.24.0088