A principal controvérsia analisada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça foi a caracterização de dano moral coletivo diante da alteração fraudulenta de projeto habitacional enquadrado como Habitação de Mercado Popular (HMP). A modificação descaracterizou o empreendimento, inicialmente voltado à população de baixa renda, após a obtenção do habite-se, em desacordo com o Plano Diretor Municipal.
Contexto e histórico da decisão
O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública contra a incorporadora Tatuí Santo André Empreendimento Imobiliário SPE Ltda. e outros réus. O empreendimento foi inicialmente aprovado como HMP, o que permitiu a aplicação de coeficiente construtivo superior ao usual e a construção de 26 unidades habitacionais adicionais.
Contudo, após a emissão do habite-se e vistoria municipal, constatou-se a inclusão de um segundo banheiro nas unidades — elemento vedado no padrão HMP. A modificação resultou na descaracterização do projeto e exclusão da população-alvo, com renda entre seis e dez salários mínimos, frustrando os objetivos da política pública habitacional.
Fundamentos jurídicos do julgamento
Para o STJ, a conduta dos responsáveis configurou desvio premeditado da finalidade social do projeto, com claro intuito de especulação imobiliária. A Corte reconheceu que a conduta atingiu diretamente valores fundamentais da coletividade, como a função social da propriedade, o direito à moradia e o cumprimento de normas urbanísticas.
A Quarta Turma entendeu que o dano moral coletivo está presente quando há agressão injusta e intolerável à ordem jurídica e aos valores éticos da sociedade, gerando indignação na consciência coletiva. O relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que o ilícito extrapolou uma mera infração administrativa ao frustrar a destinação social do empreendimento.
Impactos práticos da decisão
A condenação foi fixada no valor de R$ 1.000.000,00 a título de indenização por danos morais coletivos, a ser revertida ao Município de Santo André para aplicação em projetos urbanísticos. A decisão do STJ reforça a proteção de políticas públicas voltadas à moradia e desestimula práticas que, sob disfarce de legalidade formal, resultam em violação ao ordenamento urbanístico e à dignidade dos cidadãos de baixa renda.
Além disso, a Corte reafirmou a impossibilidade de reanálise do valor fixado a título de dano moral coletivo em recurso especial, salvo nos casos de quantia manifestamente irrisória ou exorbitante, conforme a Súmula 7 do STJ.
Legislação de referência
Código de Defesa do Consumidor – CDC
Art. 6º, VI – São direitos básicos do consumidor: […] a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Processo relacionado: Recurso Especial 2182775