A controvérsia jurídica girou em torno do reconhecimento do enquadramento funcional de trabalhador contratado como monitor de queimadas, que exercia rotineiramente atividades de prevenção e combate a incêndios. A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que a realidade das atribuições exercidas atrai a aplicação da Lei 11.901/2009, que disciplina a atuação dos bombeiros civis.
Com base nessa norma, foi reconhecido o direito ao adicional de periculosidade e à jornada especial de 12×36, mesmo diante da ausência de registro formal como bombeiro civil, pois o artigo 3º da referida lei, que previa essa exigência, foi vetado pela Presidência da República.
Contexto e histórico da decisão
O autor da ação sofreu graves queimaduras ao combater um incêndio em propriedade rural no Estado do Mato Grosso do Sul, durante o exercício de suas funções como monitor de queimadas. Ele alegou que atuava habitualmente no controle e combate a focos de fogo em áreas de colheita, o que lhe garantiria os direitos atribuídos por lei aos bombeiros civis.
Inicialmente, o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região havia negado o pedido, sustentando que o trabalhador não possuía capacitação específica nem exercia a função de forma exclusiva. O TST, no entanto, reformou essa decisão, acolhendo a tese de que a prevenção e o combate a incêndios compunham as atividades permanentes desempenhadas pelo autor.
Fundamentos jurídicos do julgamento
A decisão se amparou no princípio da primazia da realidade e no artigo 2º da Lei 11.901/2009, que define o bombeiro civil como aquele que, habilitado nos termos legais, exerça em caráter habitual a função de prevenção e combate a incêndios. O colegiado destacou que, embora o artigo 3º da lei — que exigia registro profissional — tenha sido vetado, a jurisprudência do TST admite o reconhecimento funcional com base nas atividades efetivamente exercidas.
Além disso, o TST reconheceu a responsabilidade objetiva do empregador pelos danos decorrentes do acidente de trabalho, com base no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, considerando que a atividade de combate a incêndios envolve risco acentuado. Assim, foi determinada a condenação da empresa ao pagamento de indenizações por danos morais, materiais e estéticos.
Impactos práticos da decisão
A decisão tem implicações importantes para trabalhadores rurais e florestais que desempenham funções similares às dos bombeiros civis, mesmo sem a formalização do cargo. Reforça-se o entendimento de que a habitualidade nas funções de prevenção e combate a incêndios é suficiente para o enquadramento jurídico, garantindo direitos específicos previstos em legislação especial.
Além disso, consolida-se a aplicação da responsabilidade civil objetiva em casos nos quais a atividade do empregador expõe o trabalhador a riscos superiores aos da coletividade, mesmo na ausência de culpa comprovada.
Legislação de referência
Lei 11.901/2009, artigo 2º
“Considera-se Bombeiro Civil aquele que, habilitado nos termos desta Lei, exerça, em caráter habitual, função remunerada e exclusiva de prevenção e combate a incêndio, como empregado contratado diretamente por empresas privadas ou públicas.”
Código Civil, artigo 927, parágrafo único
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
CLT, artigo 157, I
“Compete às empresas:
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.”
CLT, artigo 158
“Cabe aos empregados:
I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções expedidas pelo empregador;
II – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos desta Seção.
Parágrafo único – Constitui ato faltoso a recusa injustificada do empregado ao cumprimento das instruções expedidas pelo empregador ou pelo encarregado do serviço de segurança e de medicina do trabalho.”
CLT, artigo 166
“A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.”
Processo relacionado: Recurso de Revista 24061-51.2020.5.24.0091