A Resolução CFM nº 2.427/2025, que restringe o acesso de crianças e adolescentes trans a terapias hormonais e cirurgias de afirmação de gênero, está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7806 foi proposta por entidades da sociedade civil e distribuída ao ministro Cristiano Zanin, que atuará como relator no processo.
A norma, editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), veda o uso de bloqueadores hormonais para crianças trans, proíbe a administração de hormônios sexuais para indução de características secundárias até os 18 anos e estabelece o limite de 21 anos para realização de cirurgias de afirmação de gênero com efeitos esterilizantes.
Entidades questionam limites impostos pelo CFM
A ação foi ajuizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e pelo Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat). As entidades sustentam que a nova resolução representa um retrocesso na garantia dos direitos fundamentais de pessoas trans, ao dificultar o acesso a tratamentos reconhecidos como essenciais ao bem-estar psicossocial de crianças e adolescentes.
De acordo com os autores da ADI, a norma infringe dispositivos constitucionais ao impedir que menores de 18 anos iniciem o processo de transição de gênero com acompanhamento médico adequado.
Controvérsia jurídica envolve limites da atuação normativa do CFM
A ação levanta discussão sobre os limites do poder normativo do Conselho Federal de Medicina frente aos direitos fundamentais. Os requerentes argumentam que o CFM extrapolou sua competência ao impor restrições que não estariam respaldadas por evidências científicas amplamente aceitas ou por normas legais superiores.
Segundo a argumentação, a resolução compromete o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, especialmente no caso de pessoas em situação de vulnerabilidade como crianças e adolescentes trans.
Princípios constitucionais e direitos fundamentais em debate
A ADI sustenta que a Resolução CFM nº 2.427/2025 viola princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a proteção integral da criança e do adolescente e o direito à identidade de gênero autopercebida. Os autores requerem que seja retomada a redação original da Resolução CFM nº 2.265/2019, que permitia o início do bloqueio hormonal na puberdade, a hormonização a partir dos 16 anos e as cirurgias de afirmação de gênero a partir dos 18 anos.
Impactos esperados do julgamento da ADI no STF
A decisão do STF poderá repercutir diretamente na regulamentação da assistência à saúde de pessoas trans no Brasil, estabelecendo parâmetros para a atuação de conselhos profissionais em temas sensíveis relacionados aos direitos humanos. Também poderá impactar a política pública de saúde e a atuação de médicos em todo o território nacional.
O que é identidade de gênero autopercebida?
Identidade de gênero autopercebida é a forma como uma pessoa se reconhece em relação ao seu próprio gênero, independentemente do sexo biológico atribuído no nascimento. Esse reconhecimento é juridicamente protegido por tratados internacionais e decisões anteriores do STF que asseguram sua vinculação à dignidade da pessoa humana.
Legislação de referência
Constituição Federal de 1988
Art. 1º, III – A dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República.
Art. 227 – Dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito.
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990)
Art. 3º – A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades.
Resolução CFM nº 2.427/2025 – Dispõe sobre o cuidado com pessoas com incongruência de gênero.
Resolução CFM nº 2.265/2019 – Normativa anterior que permitia intervenções hormonais e cirúrgicas com base na idade e estágio de desenvolvimento.
Processo relacionado: ADI 7806