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AGU detalha deveres e limites jurídicos do(a) cônjuge de Presidente em atos públicos

AGU reconhece atuação simbólica do cônjuge presidencial e impõe deveres de transparência e limites jurídicos ao apoio estatal

A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou a Orientação Normativa 94/2024, estabelecendo parâmetros jurídicos para a atuação do(a) cônjuge de Presidente da República em atividades de caráter simbólico, social, político ou diplomático. O texto reconhece que essa função possui natureza institucional própria, derivada do vínculo civil com o Chefe de Estado, e deve obedecer aos princípios constitucionais da Administração Pública, como legalidade, moralidade e publicidade.

A atuação é voluntária, não remunerada e não confere ao cônjuge presidencial poder para assumir compromissos formais em nome do Estado brasileiro. No entanto, permite a representação simbólica do Presidente em determinadas ocasiões, observando-se os limites jurídicos estabelecidos pela orientação.

Contexto e fundamentos da Orientação Normativa

A ON 94/2024 foi expedida com base no Parecer nº 7/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU, cujo conteúdo ainda não divulgado oficialmente. O processo administrativo que sustenta a norma (nº 00400.000599/2025-35) também se encontra com acesso restrito. A AGU editou a norma com fundamento nos incisos I, X, XI e XIII do artigo 4º da Lei Complementar 73/1993, que atribuem ao Advogado-Geral da União competência para uniformizar a interpretação jurídica no âmbito da Administração Pública federal.

A ausência de publicidade do parecer e a restrição ao processo administrativo impedem que a sociedade e especialistas tenham acesso aos fundamentos técnicos e jurídicos que sustentam o novo entendimento institucional. Essa limitação compromete a transparência administrativa prevista no artigo 37 da Constituição Federal e na Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).

A orientação tem caráter vinculante para os órgãos jurídicos da União e visa padronizar o tratamento jurídico dado à figura do cônjuge presidencial.

Deveres de transparência e limites ao apoio estatal

A AGU determina que a atuação do cônjuge deve observar fluxo administrativo interno da Presidência da República, com a devida formalização das incumbências. Isso visa conferir legitimidade institucional à atuação simbólica, dentro dos limites do interesse público.

Além disso, a norma impõe obrigações de publicidade e transparência, como:

  • Prestação de contas sobre deslocamentos e uso de recursos públicos;
  • Divulgação da agenda de compromissos públicos;
  • Publicação de despesas e viagens no Portal da Transparência;
  • Atendimento a pedidos de acesso à informação, salvo hipóteses legais de sigilo.

O apoio estatal prestado ao cônjuge deve ser justificado por necessidades decorrentes da atuação pública e limitado aos parâmetros legais.

Conteúdo da Orientação Normativa 94/2025

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 94, DE 4 DE ABRIL DE 2024 (sic)

ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00400.000599/2025-35, resolve expedir, nesta data, a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos artigos 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993, com a seguinte redação:

I – O cônjuge do Presidente da República, em sua atuação de interesse público, possui natureza jurídica própria, decorrente do vínculo civil mantido com o Chefe de Estado e Governo, exercendo um papel representativo simbólico em nome do Presidente da República de caráter social, cultural, cerimonial, político e/ou diplomático;

II – Esta função sui generis é voluntária, não remunerada e não autoriza a assunção de compromissos formais em nome do Estado brasileiro, mas lhe atribui a capacidade de exercer, em certa medida, a representação do Presidente da República, no âmbito de uma linguagem simbólica que detém significação reconhecida à luz do costume;

III – Essa atuação deve ser informada pela observância dos princípios da Administração Pública (artigo 37, caput da Constituição de 1988);

IV – Para a realização de atividades de representação simbólica pelo cônjuge presidencial, é recomendável que a Presidência da República observe um fluxo administrativo interno para a formalização dessas incumbências, apto a conferir legitimidade e os devidos recursos, a esta atuação;

V – Ante as exigências e os ônus assumidos, o apoio estatal ao cônjuge presidencial deve estar adstrito ao interesse público e suas necessidades, possuindo fundamento no ordenamento jurídico;

VI – Cabe a observância e o cumprimento dos deveres de publicidade e transparência pelo cônjuge presidencial e agentes públicos que lhe prestam apoio, por meio da adoção das seguintes providências: (i) prestação de contas de deslocamentos e recursos públicos empregados; (ii) divulgação de agenda de compromissos públicos do cônjuge; (iii) disponibilização de dados sobre despesas e viagens no portal da transparência; e (iv) atendimento de pedidos de informações sobre estas atividades; e

VII – Deve ser examinada, caso a caso, a eventual incidência de restrição constitucional ou legal de acesso às informações, como em razão de segurança ou proteção de intimidade.

Referências: Art. 37, caput e art. 84 da Constituição; art. 4º e art. 24 do Decreto-Lei nº 4.657, de 1942; Decreto-Lei nº 1.565, de 1939; Decreto nº 44.721, de 1958; Lei nº 5.809, de 1972; Decreto nº 71.733, de 1973; Lei nº 8.162, de 1991; Decreto nº 940, de 1993; Decreto nº 5.992, de 2006; Lei nº 12.527, de 2011; Lei nº 12.813, de 2013; Lei nº 14.600, de 2023; Acórdão TCU nº 7779/2024 (Primeira Câmara); Decisão de Arquivamento PGR/ASSCRIM nº 17/2025 e Acórdão STJ no Resp 2.066.238/SP (Quarta Turma).

Fonte: Parecer nº 7/2025/CONSUNIAO/CGU/AGU e respectivos despachos de aprovação.

JORGE RODRIGO ARAÚJO MESSIAS

Participações de Janja e os debates públicos sobre o papel institucional da primeira-dama

A Orientação Normativa 94/2024 da AGU foi publicada em contexto de ampla repercussão pública sobre a presença de Rosângela Lula da Silva, conhecida como Janja, em eventos com participação oficial do Presidente da República. As aparições da primeira-dama em agendas institucionais, inclusive no exterior, foram objeto de questionamentos relacionados ao uso de recursos públicos e à ausência de cargo formal na estrutura estatal.

A norma reconhece a existência de uma atuação representativa de natureza simbólica por parte do cônjuge do Presidente da República e estabelece parâmetros jurídicos e administrativos para essa atuação. Entre os pontos disciplinados estão a necessidade de observância dos princípios da Administração Pública, a formalização de fluxos internos na Presidência da República e a imposição de deveres de publicidade e transparência sobre deslocamentos, despesas e compromissos.

Legislação citada como fundamento da ON 94:

1. Constituição Federal

  • Artigo 37, caput:

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

  • Artigo 84:

“Compete privativamente ao Presidente da República:​

I – nomear e exonerar os Ministros de Estado;​

II – exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;​

III – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;​

IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;​

V – vetar projetos de lei, total ou parcialmente;​

VI – dispor, mediante decreto, sobre:​

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;​

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;​

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;​

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;​

IX – decretar o estado de defesa e o estado de sítio;​

X – decretar e executar a intervenção federal;​

XI – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias;​

XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;​

XIII – exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;​

XIV – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;​

XV – nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;​

XVI – nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União;​

XVII – nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;​

XVIII – convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;​

XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;​

XX – celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;​

XXI – conferir condecorações e distinções honoríficas;​

XXII – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;​

XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;

XXIV – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;

XXV – prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;​

XXVI – editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;​

XXVII – exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.” ​

2. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)

  • Artigo 4º:

“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

  • Artigo 24:

“A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.”

3. Decreto-Lei nº 1.565, de 5 de setembro de 1939

“Dispõe sobre a nomeação de Delegados do Brasil a Congressos, Conferências e reuniões internacionais no país ou no estrangeiro.”

4. Decreto nº 44.721, de 21 de outubro de 1958

“Regulamenta o Decreto-Lei nº 1.565, de 5 de setembro de 1939, que dispõe sobre a nomeação de delegados do Brasil a Congressos, Conferências e outras reuniões internacionais no país ou no estrangeiro.”

5. Lei nº 5.809, de 10 de outubro de 1972

“Dispõe sobre a retribuição e direitos do pessoal civil e militar em serviço da União no exterior, e dá outras providências.” ​

6. Decreto nº 71.733, de 18 de janeiro de 1973

“Regulamenta a Lei nº 5.809, de 10 de outubro de 1972, que dispõe sobre a retribuição e direitos do pessoal civil e militar em serviço da União no exterior.” ​

7. Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991

“Dispõe sobre a revisão dos vencimentos, salários, proventos e demais retribuições dos servidores civis e da fixação dos soldos dos militares do Poder Executivo, e dá outras providências.”

8. Decreto nº 940, de 27 de setembro de 1993

“Dispõe sobre a diária no exterior, do servidor público civil e militar, integrante de equipe de apoio ou de comitiva do Presidente ou do Vice-Presidente da República.” ​

9. Decreto nº 5.992, de 19 de dezembro de 2006

“Dispõe sobre a concessão de diárias no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências.”

10. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011

“Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.”

11. Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013

“Dispõe sobre o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego.” ​

12. Lei nº 14.600, de 19 de junho de 2023

“Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios; altera as Leis nºs 9.984, de 17 de julho de 2000, 9.433, de 8 de janeiro de 1997, 10.871, de 20 de maio de 2004, e 14.204, de 16 de setembro de 2021; e revoga dispositivos da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019.” ​

13. Acórdão TCU nº 7779/2024 (Primeira Câmara)

Trata-se de representação formulada pelo Deputado Federal Ubiratan Sanderson em face de supostas irregularidades dos gastos públicos realizados em razão da participação da Sr.ª Rosângela Lula da Silva, bem como de sua comitiva de assessores nos Jogos Olímpicos de Paris. 

Considerando os pareceres uniformes exarados pela Unidade de Auditoria Especializada em Governança e Inovação às peças 7-9, os quais destacam a ausência de indícios suficientes para a atuação deste Tribunal de Contas da União, uma vez que: não foram identificadas irregularidades, haja vista que não se exige que a primeira-dama seja exercente de mandato público eletivo, sendo permitida a designação de pessoa sem vínculo com o serviço público, com percebimento de diárias e passagens, consoante art. 3º,  § 1º, do Decreto 71.733/1973 c/c o Decreto 44.721/1958; não se vislumbra ofensa aos princípios que regem a Administração Pública, conforme art. 37 da CF/1988; e não há indícios de que a primeira-dama tenha atuado como Vice-Presidente em substituição ao Presidente da República;

considerando, portanto, que não verifica a presença de interesse público, de acordo com o art. 103, § 1º, da Resolução – TCU 259/2014;

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da Primeira Câmara, com fundamento nos arts. 143, III, 169, V, 235, 250, do Regimento Interno/TCU, e art. 103, § 1º, da Resolução – TCU 259/2014, em:

a) não conhecer da representação;

b) informar à Secretaria-Geral da Presidência da República e à autoridade representante acerca desta deliberação; e

c) arquivar o processo.

14. Decisão de Arquivamento PGR/ASSCRIM nº 17/2025

Não foram encontrados detalhes específicos sobre esta decisão.​

15. Acórdão STJ no REsp 2.066.238/SP (Quarta Turma)

CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERSONALIDADE PÚBLICA. PRIMEIRA-DAMA. NOTA JORNALÍSTICA. COLUNA. REVISTA. RELEVÂNCIA PÚBLICA. AUSÊNCIA. ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. DIREITOS DA PERSONALIDADE. HONRA. IMAGEM. INTIMIDADE. PRIVACIDADE. VIOLAÇÃO. RETRATAÇÃO. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO.

1. A jurisprudência do STJ orienta que, para situações de conflito entre a liberdade de informação e a proteção aos direitos da personalidade, devem ser ponderados os seguintes elementos: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, dentre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de divulgar crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).

2. Ante o interesse público envolvido e a posição que exercem na sociedade, as personalidades públicas podem ter reduzida a expectativa de privacidade em comparação com cidadãos comuns, o que todavia não autoriza a desconsideração total de sua intimidade.

3. A avaliação do interesse da sociedade para se divulgar informações sobre personalidades públicas deve ser ponderado em face do direito à intimidade e à privacidade, evitando-se a desnecessária exposição de detalhes da vida pessoal que não tenham relevância social.

4. A nota jornalística que divulga informações estritamente pessoais da vida da então primeira-dama do Brasil, abordando questões de ordem puramente privada do casal presidencial, aparta-se da legítima prerrogativa de informar, contrariando princípios fundamentais de direitos da personalidade.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 2.066.238/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 5/9/2024.)

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