O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional uma norma do Estado de São Paulo que destinava 40% do Fundo de Assistência Judiciária (FAJ) para o pagamento de advogados privados conveniados. A decisão foi tomada pelo Plenário da Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5644, ajuizada pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep).
A maioria dos ministros considerou que a norma violava a autonomia orçamentária da Defensoria Pública, prevista no artigo 134 da Constituição Federal. O entendimento firmado no julgamento reforça a independência das defensorias estaduais na gestão de seus recursos, impedindo que legislações locais criem obrigações financeiras que comprometam sua atuação institucional.
Questão jurídica e argumentos no julgamento
A controvérsia girava em torno da compatibilidade da Lei Complementar 1.297/2017 com a Constituição Federal. O dispositivo determinava que parte significativa dos recursos do FAJ, principal fonte de financiamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, fosse vinculada ao pagamento de advogados privados contratados por meio de convênios para prestação de assistência jurídica gratuita.
A Anadep sustentou que a norma interferia na autonomia administrativa da Defensoria Pública ao obrigá-la a destinar recursos a terceiros, sem que houvesse espaço para gestão discricionária. Segundo a entidade, esse tipo de vinculação orçamentária impedia que o órgão decidisse a melhor forma de alocar seus recursos para ampliar sua estrutura e atender à crescente demanda por assistência jurídica gratuita.
O relator da ADI, ministro Edson Fachin, acolheu esse argumento e votou pela inconstitucionalidade da norma. No julgamento, Fachin destacou que a Constituição assegura às Defensorias Públicas autonomia para gerenciar seus recursos financeiros e humanos, sendo vedado qualquer tipo de interferência externa que comprometa essa prerrogativa.
“A norma restringiu de forma drástica a autonomia orçamentária da instituição e, em consequência, a autonomia administrativa, que garante liberdade gerencial de recursos financeiros e humanos em relação à própria organicidade e aos agentes públicos, frustrando o modelo constitucionalmente previsto”, afirmou o ministro em seu voto.
Divergência e posição minoritária
Os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski (aposentado) e Gilmar Mendes ficaram vencidos no julgamento. Para essa corrente minoritária, a utilização da advocacia privada de forma suplementar não impediria a expansão da assistência judiciária gratuita. Moraes argumentou que o modelo de convênios poderia ser visto como um mecanismo de colaboração para ampliar o atendimento à população vulnerável.
No entanto, a maioria do Plenário não acolheu essa tese, enfatizando que a autonomia da Defensoria Pública inclui a gestão exclusiva de seus recursos e que a imposição de repasses obrigatórios comprometeria esse princípio.
Impactos da decisão e repercussão nacional
O julgamento do STF tem repercussão direta sobre o modelo de financiamento das Defensorias Públicas em todo o país. Com a fixação do entendimento de que é inconstitucional vincular parte do orçamento dessas instituições ao pagamento de advogados privados, outras leis estaduais que adotem medidas semelhantes podem ser questionadas judicialmente. Além disso, a decisão fortalece a autonomia das defensorias, garantindo que seus recursos sejam aplicados conforme planejamento interno, sem interferências externas.
Legislação de referência
Constituição Federal
Art. 134 – “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos necessitados, de forma integral e gratuita.”
§ 2º – “À Defensoria Pública é assegurada autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e na forma da lei complementar referida no artigo 168.”
Lei Complementar 80/1994
Art. 3º – “A Defensoria Pública exercerá suas funções onde houver unidades judiciárias estaduais e federais, garantindo assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, de forma independente.”
Art. 4º, inciso XXI – “São funções institucionais da Defensoria Pública: promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à pacificação social.”
Art. 97-A – “As Defensorias Públicas dos Estados possuem autonomia funcional, administrativa e orçamentária, cabendo-lhes a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.”
Lei Complementar 132/2009
Art. 1º – “Altera dispositivos da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, para aperfeiçoar a organização e funcionamento das Defensorias Públicas, garantindo sua autonomia funcional, administrativa e financeira.”
Processo relacionado: ADI 5644