Os povos indígenas têm direito à participação nos resultados de empreendimentos hidrelétricos instalados em seus territórios? Em decisão monocrática, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a omissão legislativa sobre o tema e determinou medidas provisórias para garantir essa compensação.
A decisão foi tomada no Mandado de Injunção (MI) 7490, no qual associações indígenas questionaram a falta de regulamentação dos artigos da Constituição que garantem essa participação. O ministro concedeu prazo de 24 meses para que o Congresso Nacional edite a norma necessária e determinou que, até lá, as comunidades indígenas afetadas por hidrelétricas devem receber integralmente a compensação financeira devida à União.
Omissão legislativa e impacto sobre os indígenas
A ação foi movida por associações de povos indígenas da região do Médio Xingu, no Pará, que alegam que a construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHBM) trouxeram impactos significativos às suas comunidades. Entre os efeitos apontados, estão mudanças no modo de vida tradicional, dificuldades socioeconômicas e degradação ambiental.
Segundo as entidades, apesar de a Constituição Federal assegurar a participação indígena nos resultados da exploração de recursos naturais em seus territórios, não há norma específica que discipline essa questão. Como consequência, enquanto o empreendimento gera lucros bilionários, os povos indígenas enfrentam dificuldades para manter suas condições de vida.
Fundamentação jurídica da decisão
Na decisão, o ministro Flávio Dino destacou que os artigos 176, § 1º, e 231 da Constituição Federal de 1988 estabelecem que os povos indígenas devem ser consultados e ter participação nos resultados da exploração de recursos naturais em suas terras. No entanto, desde a promulgação da Constituição, essa previsão nunca foi regulamentada pelo Congresso.
Dino afirmou que há uma “omissão legislativa de quase 37 anos” e que essa inércia inviabiliza o exercício do direito dos povos indígenas. Para corrigir essa situação, determinou que, enquanto a regulamentação não for feita, 100% da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH), que atualmente é repassada à União, deve ser destinada às comunidades indígenas afetadas.
Repercussões da decisão e prazo para o Congresso
A decisão monocrática de Flávio Dino terá impacto direto nas comunidades indígenas atingidas por Belo Monte e pode estabelecer um precedente para outras hidrelétricas em territórios indígenas. O ministro ressaltou que a compensação se aplica somente à exploração dos recursos hídricos e não inclui a lavra mineral, que ainda carece de regulamentação própria.
Além disso, Dino alertou para os riscos da falta de regulamentação no setor mineral, mencionando que essa lacuna favorece a expansão do garimpo ilegal e do crime organizado na Amazônia. O ministro destacou que a ausência de regras claras tem levado à atuação de grupos criminosos que exploram terras indígenas sem qualquer controle estatal.
O Congresso Nacional tem 24 meses para aprovar a legislação necessária para garantir a participação indígena nos resultados da exploração dos recursos hídricos em suas terras. Até lá, as comunidades afetadas por Belo Monte e outras usinas terão direito à compensação integral prevista na decisão.
Legislação de referência
- Constituição Federal de 1988
- Artigo 176, § 1º – “A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica em terras indígenas só podem ser efetuados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.”
- Artigo 231 – “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Processo relacionado: MI 7490