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A (i)legalidade da expressão “revogam-se as disposições em contrário”

Os atos normativos, geralmente contêm o dispositivo “revogam-se as disposições em contrário.” É legal a utilização dessa expressão? É necessária?

Trata-se de artigo científico que busca debater a necessidade e legalidade da utilização nos atos normativos em geral do termo “revogam-se as disposições em contrário”. Aqui iremos discorrer sobre o que diz a legislação sobre tal situação, o que diz a regulamentação dos atos normativos e o que diz a boa técnica legislativa.

Antes de adentrar a legalidade da cláusula em debate, insta ressaltar que o princípio da precisão que se aplica a técnica legislativa exige que os atos normativos sejam redigidos de forma precisa, objetiva e juridicamente segura, permitindo a correta aplicação e compreensão por parte dos destinatários da norma.

Nesse contexto, diante da necessidade de indicação de forma precisa, para que não haja dúvidas a respeito da revogação de determinada norma, de acordo com o princípio da precisão não se admite a utilização da cláusula em debate.

A respeito da legalidade da cláusula, o art. 9º da Lei Complementar nº 95/98 prevê o seguinte: “A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.” Sendo assim, verifica-se que a previsão de revogação de leis ou dispositivos deverá ser de forma expressa não se admitindo a citada expressão.

Acerca da aplicação da Lei Complementar nº 95/98, conforme já tivemos a oportunidade de nos manifestar, trata-se de norma de natureza nacional,[1] ou seja, que se aplica a todos os entes federativos. Sobre os atos normativos que incide as regras estabelecidas na Lei Complementar nº 95/98, o Parágrafo único do art. 1º prevê que suas disposições se aplicam aos atos normativos estabelecidos no art. 59 da Constituição e, no que couber, aos decretos e demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo.

Na mesma linha, o artigo 15 do Decreto nº 12.002/2024, que estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos, sobre a previsão de cláusula de revogação prevê o seguinte:

Cláusula de revogação

“Art. 15.  A cláusula de revogação relacionará, de forma expressa, todas as disposições que serão revogadas.

§ 1º A expressão “revogam-se as disposições em contrário” não será usada.

§ 2º Na hipótese de revogação de ato normativo alterado por norma posterior, a revogação expressa incluirá os dispositivos constantes da norma alteradora.

§ 3º A cláusula de revogação será subdividida em incisos, alíneas, itens e subitens quando se tratar de:

I – mais de um ato normativo; ou

II – dispositivos não sucessivos do mesmo ato normativo.”

Assim, na mesma linha da art. 9º da Lei Complementar nº 95/98, o art. 15 do Decreto nº 12.002/2024 determina que os dispositivos de revogação de outras normas ou dispositivo seja redigidos de forma expressa, motivo pelo qual não deverá ser utilizada a frase sob análise. O Decreto vai além e afirma categoricamente no § 1º que não deverá ser utilizada a citada expressão.

Dessa forma, conclui-se que tanto da interpretação da Lei Complementar nº 95/98, quanto da expressa previsão do Decreto nº 12.002/2024, não deverá ser utilizada nos atos normativos a expressão “revogam-se as disposições em contrário.

Ademais, ainda sobre a desnecessidade da utilização da mencionada expressão, os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, Decreto-Lei nº 4.657/1942, preveem respectivamente o seguinte: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.” e “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Com efeito, além da inviabilidade de utilização da expressão, vale esclarecer que diante da previsão da LINDB a norma posterior revoga a norma anterior de forma automática quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a norma anterior. Também, cumpre destacar o critério da especialidade na resolução das antinomias (art. 2º, § 2º da LINDB), que será esclarecido adiante. Sendo assim, constata-se a desnecessidade da utilização da expressão em análise.

Insta registrar que em caso de antinomia, ou seja, o conflito entre duas normas em um caso prático, poderá ser utilizado os critérios de solução das antinomias: hierárquico, cronológico ou da especialidade.

Segundo o critério hierárquico norma superior revoga norma inferior. Por exemplo, a promulgação de lei contrária a decreto, aquela revoga esse.

De acordo com o critério cronológico, a regra estabelecida no § 1º do art. 2º da LINDB, lei posterior revoga lei anterior.

Por fim, o critério da especialidade, previsto no § 2º do art. 2º da LINDB, a norma nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem altera a norma anterior. Por outro lado, se a nova norma estabelece nova norma geral em detrimento de norma geral preexistente, aplica-se o critério cronológico, ou seja, a norma posterior revoga norma anterior. Diante do exposto, conclui-se pela ilegalidade e desnecessidade da utilização da expressão “revogam-se as disposições em contrário” nos atos normativos em geral, tendo em vista o princípio da precisão que deverá ser observado na técnica legislativa, o que dispõe o art. 9º da Lei Complementar nº 95/98, os §§ 1º e 2º do art. 2º da LINDB, o art. 15 do Decreto nº 12.002/2024 e, também, considerando a possibilidade de utilização dos critérios hierárquico, cronológico e da especialidade para a  solução das antinomias.


Referências

[1] PEREIRA, Diogo Esteves. A natureza da Lei Complementar 95/98. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/420136/a-natureza-da-lei-complementar-95-98 Acessado 10dez2024.

Sobre o autor:

Advogado com mais de dez anos de experiência no serviço público, tendo trabalhado no Ministério dos Transportes, no TJDFT, na Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, na Subchefia de Assuntos da Casa Civil da Presidência da República, na Prefeitura Municipal de Araguaína/TO. Atualmente é Procurador-Chefe da Câmara Municipal de Araguaína, membro examinador de banca de pós-graduação lato sensu, Especialista em Prática Processual nos Tribunais pelo UniCEUB, Coordenador da Coleção Teses Defensivas e autor do livro Teses Defensivas Improbidade Administrativa da Editora Juspodivm

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