A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.257), decidiu que as regras da Lei 14.230/2021, que reformou a Lei de Improbidade Administrativa, devem ser aplicadas aos processos em andamento. Com isso, medidas de indisponibilidade de bens já decretadas podem ser revistas para se adequarem às novas exigências da legislação.
Questão jurídica envolvida
A principal controvérsia analisada pelo STJ foi se a nova Lei de Improbidade Administrativa deveria atingir ações já em curso, especialmente em relação à decretação da indisponibilidade de bens. A nova norma exige que a medida seja fundamentada em prova concreta de risco ao processo, afastando bloqueios automáticos.
O relator, ministro Afrânio Vilela, destacou que a tutela provisória de indisponibilidade de bens pode ser modificada ou revogada a qualquer tempo, o que justifica a aplicação imediata da Lei 14.230/2021. Assim, a norma vale tanto para pedidos de revisão de medidas já concedidas quanto para recursos pendentes de julgamento.
Mudanças na indisponibilidade de bens e ausência de regra de transição
A reforma da Lei 8.429/1992 trouxe mudanças relevantes, especialmente nos critérios para o bloqueio de bens. Agora, exige-se a comprovação concreta do risco de dano irreparável ou de prejuízo ao resultado do processo (artigo 16, § 3º). Além disso, a nova legislação proíbe a indisponibilidade sobre valores destinados ao pagamento de multa civil ou decorrentes de atividade lícita (artigo 16, § 10).
Apesar dessas alterações, a Lei 14.230/2021 não previu regra de transição, o que gerou dúvidas sobre a sua aplicação em processos já em andamento. O ministro relator ressaltou que os entendimentos firmados nos Temas Repetitivos 701 e 1.055 do STJ não se sustentam diante da nova legislação, reforçando a necessidade de adequação das decisões já proferidas.
Fundamentos do Código de Processo Civil para aplicação imediata
O STJ também considerou que o artigo 14 do Código de Processo Civil (CPC) determina a aplicação imediata das normas processuais aos processos em andamento, desde que respeitados os atos já praticados. Além disso, o artigo 296 do CPC prevê que medidas cautelares podem ser revistas ou revogadas a qualquer tempo, e o artigo 493 estabelece que o juiz deve levar em conta fatos novos ao julgar o mérito do processo.
Outro ponto destacado foi o julgamento do Tema 1.199 da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Embora não tenha tratado diretamente da indisponibilidade de bens, a decisão reforçou o entendimento de que as novas regras da improbidade devem ser aplicadas a processos em curso.
Com essa decisão, os recursos especiais e agravos que estavam suspensos aguardando esse posicionamento podem voltar a tramitar, e os tribunais de todo o país devem seguir a tese firmada pelo STJ.
Legislação de referência
- Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa)
- Artigo 16, § 3º: “A indisponibilidade de bens somente será concedida quando houver elementos concretos que evidenciem o perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo.”
- Artigo 16, § 10: “A indisponibilidade de bens não incidirá sobre valores que tenham origem lícita e sejam destinados ao pagamento de multa civil.”
- Código de Processo Civil (CPC)
- Artigo 14: “A norma processual tem aplicação imediata aos processos em curso, respeitando-se os atos já praticados e as situações jurídicas consolidadas.”
- Artigo 296: “A tutela provisória pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo.”
- Artigo 493: “Se, depois da propositura da ação, algum fato modificar a situação de fato ou de direito, o juiz deverá considerá-lo ao proferir decisão.”
Processo relacionado: REsp 2.074.601