A 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento ao recurso do Ministério Público e condenou a proprietária da Clínica de Repouso Amor e Vida, em Ribeirão Preto, pelos crimes de retenção indevida de cartão bancário e apropriação de valores de um idoso internado. A decisão reverte a absolvição de primeira instância e fixou a pena de 1 ano e 8 meses de prestação de serviços à comunidade, além do pagamento de 21 dias-multa, conforme o Estatuto da Pessoa Idosa.
Contexto da decisão
O caso envolveu um paciente de 68 anos que, além de Alzheimer, apresentava outras enfermidades graves, como hipertensão, fraturas e dificuldades cognitivas. Ele foi internado na clínica gerida pela ré após sofrer múltiplos derrames. A filha da vítima relatou que a família entregou o cartão bancário do idoso à clínica para facilitar o pagamento das mensalidades.
No entanto, a dona da clínica utilizou o cartão não apenas para o pagamento das despesas do paciente, mas também o levou a instituições bancárias para realizar empréstimos consignados em nome dele. Dois contratos foram firmados junto ao Banco Itaú Consignados S/A, totalizando quase R$ 20 mil.
Questão jurídica envolvida
A decisão tratou da aplicação dos artigos 102 e 104 da Lei 10.741/2003 (Estatuto da Pessoa Idosa). O artigo 102 trata da apropriação indébita de bens e proventos do idoso, enquanto o artigo 104 proíbe a retenção de documentos pessoais e cartões bancários como forma de coerção para recebimento de dívidas.
O relator, desembargador Roberto Solimene, destacou que a condição de incapacidade da vítima era evidente e que a ré abusou da vulnerabilidade do idoso e da confiança depositada por seus familiares. A retenção do cartão e a obtenção dos empréstimos ocorreram sem o consentimento da família.
Fundamentos jurídicos da decisão
O TJSP entendeu que, mesmo com a justificativa de garantir o pagamento das despesas do paciente, a ré não poderia reter o cartão ou conduzi-lo a contratos financeiros, especialmente considerando o quadro de incapacidade do idoso. A utilização dos empréstimos em benefício próprio, ainda que parte tenha sido empregada em melhorias na clínica, configurou crime.
O Tribunal reformou a sentença de primeira instância, que havia absolvido a ré por falta de dolo. A decisão de segunda instância reconheceu a materialidade e autoria dos delitos, impondo as penas de um ano e dois meses de reclusão pelo crime de apropriação de proventos e seis meses de detenção por retenção indevida do cartão, ambas convertidas em prestação de serviços à comunidade.
Impactos práticos da decisão
O julgamento reforça a proteção dos direitos dos idosos, especialmente em situações de vulnerabilidade, como em instituições de longa permanência. A decisão serve como alerta para prestadores de serviços que lidam com pessoas em situação de incapacidade, ressaltando a proibição de práticas abusivas previstas no Estatuto da Pessoa Idosa.
Legislação de referência
Art. 102 da Lei 10.741/2003 (Estatuto da Pessoa Idosa):
“Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento da pessoa idosa, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade.”
Art. 104 da Lei 10.741/2003 (Estatuto da Pessoa Idosa):
“Reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso como forma de assegurar o recebimento ou ressarcimento de dívida.”
Processo relacionado: 1502821-05.2021.8.26.0506