A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu, nesta quarta-feira (19), a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a desembargadora Lígia Maria Ramos Cunha Lima, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), e seus dois filhos. Eles são acusados pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro no contexto da Operação Faroeste, que investiga a venda de decisões judiciais em disputas de terras na Bahia.
Com a decisão do STJ, os acusados passam a responder como réus na ação penal. A denúncia também envolvia três advogados, mas o colegiado considerou inepta a acusação contra dois deles por falta de descrição adequada das condutas.
Questão jurídica envolvida
O STJ analisou se a denúncia atendia aos requisitos mínimos para a instauração da ação penal, conforme prevê o artigo 41 do Código de Processo Penal. Para a aceitação da denúncia, era necessário que houvesse um conjunto probatório mínimo que indicasse indícios de autoria e materialidade dos crimes imputados.
Além disso, a Corte Especial discutiu a manutenção da competência do STJ para processar a desembargadora, mesmo após sua aposentadoria compulsória determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024. O entendimento foi de que, como os fatos ocorreram durante o exercício da magistratura e em razão do cargo, a prerrogativa de foro deve ser preservada, conforme entendimento majoritário já formado no Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 232.627.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O relator, ministro Og Fernandes, destacou que, apesar de não ser exigida prova definitiva de culpa para a aceitação da denúncia, o STJ não admite o prosseguimento de ações penais sem indícios mínimos de autoria e materialidade. No caso, o MPF apresentou elementos como notas fiscais, registros de transações financeiras e dados obtidos por meio da quebra de sigilos bancário e telefônico dos investigados, corroborando as declarações do colaborador premiado.
Os autos indicam que os investigados teriam recebido R$ 950 mil em negociações para a obtenção de decisões favoráveis na Câmara do Oeste do TJBA, onde a desembargadora atuava. Um dos filhos da magistrada, por exemplo, teria adquirido um veículo de R$ 145 mil no dia seguinte a um voto supostamente negociado por R$ 400 mil.
Além disso, segundo o MPF, a desembargadora tentou obstruir as investigações, mantendo consigo documentos sigilosos relacionados à Operação Faroeste, que foram apreendidos em sua residência durante buscas.
Impactos da decisão
Com o recebimento da denúncia, os réus responderão à ação penal perante o STJ, podendo apresentar defesa e provas em sua contestação. A decisão também reforça o entendimento do tribunal quanto à sua competência para julgar magistrados, mesmo após sua aposentadoria compulsória.
A Operação Faroeste segue investigando um esquema de venda de sentenças no TJBA, que já resultou no afastamento de diversas autoridades do Judiciário baiano e na deflagração de várias fases da investigação.
Legislação de referência
- Código de Processo Penal – Artigo 41: “A denúncia ou queixa deverá conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”
- Constituição Federal – Artigo 105, inciso I, alínea “a”: “Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (…).”
- Código Penal – Artigo 288: “Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.”
- Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro) – Artigo 1º: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.”
Processo relacionado: APn 987