O Supremo Tribunal Federal (STF) analisará se a Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) impede a responsabilização penal por crimes de ocultação de cadáver cometidos durante a ditadura militar. A matéria será julgada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1501674, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte. Mas como essa decisão pode impactar futuras investigações sobre desaparecidos políticos?
O que motivou o julgamento no STF?
O caso concreto envolve denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra dois ex-militares do Exército, acusados de participação na Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência ao regime militar (1964-1985). O MPF aponta que os oficiais praticaram homicídios e ocultação de cadáveres na década de 1970, impedindo que familiares exercessem o direito ao luto.
A denúncia, contudo, foi rejeitada pela Justiça Federal no Pará, com base na Lei da Anistia e na decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que validou a norma. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve essa decisão, levando o MPF a recorrer ao Supremo.
A controvérsia sobre crimes permanentes na Lei da Anistia
O relator do caso, ministro Flávio Dino, destacou que a questão em debate não trata da revisão da ADPF 153, mas da definição do alcance da anistia em crimes considerados permanentes, como a ocultação de cadáver. Segundo Dino, o crime continua em curso enquanto o corpo da vítima não for localizado, o que levanta a discussão sobre a possibilidade de responsabilização penal mesmo após a anistia concedida.
Além disso, o julgamento analisará obrigações internacionais assumidas pelo Brasil ao aderir à Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, promulgada pelo Decreto 8.767/2016. O tratado internacional prevê que crimes de desaparecimento forçado são imprescritíveis e não podem ser objeto de anistia.
STF pode reavaliar a interpretação da Lei da Anistia?
A decisão do STF sobre o ARE 1501674 poderá estabelecer um novo entendimento sobre a aplicação da Lei da Anistia. Se a Corte entender que a ocultação de cadáver é um crime permanente, os autores desses atos poderão ser responsabilizados, mesmo que a anistia tenha sido concedida para crimes conexos.
Essa interpretação pode gerar impactos diretos em outros processos envolvendo desaparecidos políticos, permitindo novas investigações e responsabilizações criminais. Caso contrário, o STF reafirmará que a anistia concedida na ditadura impede qualquer punição por esses crimes.
Legislação de referência
Lei 6.683/1979 – Lei da Anistia
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, bem como aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores públicos civis, militares e empregados do setor privado punidos com fundamento em atos institucionais e complementares.
Decreto 8.767/2016 – Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado
Artigo 1º
- Ninguém será submetido a desaparecimento forçado.
- Nenhuma circunstância excepcional, seja um estado de guerra, uma ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, poderá ser invocada para justificar o desaparecimento forçado.
Processo relacionado: ARE 1501674