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“Discussão sobre Ficha Limpa não pode ser guiada por interesses políticos”, diz José Eduardo Cardozo

José Eduardo Cardozo criticou a banalização do impeachment e a maneira como está sendo conduzida propostas para Lei da Ficha Limpa

Em entrevista ao Cátedras, José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União, criticou a banalização do impeachment no Brasil e a forma política quem vem sendo conduzida as propostas para modificar a Lei da Ficha Limpa.

Em relação ao impeachment, Cardozo diz que a discussão sobre o afastamento de um presidente deve ocorrer apenas em casos “gravíssimos e dolosos”, e não como ferramenta política para desgastar governos.

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Impeachment e governabilidade

Cardozo vê com preocupação o uso frequente do impeachment no Brasil e avalia que o mecanismo deveria ser aplicado apenas em casos extremos.

“O impeachment tem que ocorrer em fatos gravíssimos, dolosos, que traz uma repugnância social em relação à permanência do chefe do Executivo. Sem isso, é um absurdo tratá-lo como uma questão política”, diz o ex-ministro.

Para Cardozo, o processo de impeachment é jurídico-político. E a possibilidade de avaliação jurídica depende da ocorrência de atos ilícitos. “Se isso não for considerado, considerarmos um sistema onde se pode retirar qualquer presidente por conveniência, como acontece no parlamentarismo, mas sem as regras do parlamentarismo”, afirma.

Ele também considera que o equilíbrio entre os poderes está comprometido. “O Brasil vive hoje uma instabilidade de governabilidade institucional. O Executivo tem sido cada vez mais curvado pelo Legislativo, que impõe suas vontades sem assumir responsabilidades.”

Segundo Cardozo, a solução passa por uma reforma política profunda. “Só uma reforma política pode modificar esse cenário. Mas essa reforma não pode ser feita pelo Congresso eleito. Tem que ser específica, com representantes que não possam concorrer às eleições seguintes, para garantir que uma mudança seja feita com responsabilidade.”

Judicialização da política e o papel do Supremo

Outro ponto abordado foi o crescimento da judicialização da política e o uso do Supremo Tribunal Federal (STF) como arena para disputas políticas.

“O Judiciário passou a ser o poder que dá a resposta final sempre. Isso tem um lado positivo, pois garante que a Constituição seja respeitada, mas também um lado negativo: quem controla o controlador? Esse é um problema que precisa ser discutido com seriedade. No Brasil, muitas decisões que devem ser resolvidas pelo Congresso acabam no STF, pois grupos políticos que não recebem apoio parlamentar recorrem à Suprema Corte. Isso acontece no mundo inteiro, mas no Brasil tem ganhado uma dimensão preocupante”, afirma.

Cardozo também alerta para os riscos que isso traz ao próprio STF. “O Supremo virou um ator político, porque acaba decidindo questões que o Legislativo não equacionou. Com isso, os juízes passam a ser atacados como políticos, e a sociedade começa a vê-los dessa forma.”

Fora isso, o ex-ministro vê excessos de processos na Suprema Corte comprometendo sua função. “O STF não pode ficar julgando inventário, pequenas ações que não deveriam até lá. O STJ está atolado, e o Supremo chegar também. Precisamos repensar o funcionamento do sistema judiciário.”

Sobre mandatos para ministros do STF, Cardozo avalia a medida como algo positivo. “O ideal seria criar uma Corte Constitucional com mandatos fixos, como acontece na Europa, mas sem que isso seja usado como retaliação contra ministros atuais. Precisamos pensar para o futuro, criando um sistema mais eficiente.”

Ficha Limpa e as discussões sobre inelegibilidade

A Lei da Ficha Limpa voltou ao centro do debate após questionamentos sobre a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro. Cardozo relembra que a legislação foi aprovada sob forte pressão popular e aponta falhas na forma como os prazos são aplicados.

“Quando a Lei da Ficha Limpa foi aprovada, havia tanta pressão social que não conseguiu mexer uma vírgula. Oito anos é um prazo razoável porque segue o parâmetro do mandato mais longo que temos, o de senador. Mas o problema é como esse prazo é contado. A forma atual gera distorções e deveria ser corrigida.”

No entanto, ele critica o esforço de modificar a regra para favorecer políticos, sendo uma gambiarra jurídica para interesses minoritários. “Estão tentando inventar um jeitinho para transformar inelegível em elegível. Isso não é bom para a democracia. Já teria uma discussão se a inelegibilidade pode ser aplicada retroativamente. O Supremo será chamado a decidir novamente, e esse tipo de manobra só gera mais instabilidade.”

Crime organizado e falhas no sistema prisional

Na área de segurança pública, Cardozo alerta que o crime organizado no Brasil tem origem em presídios e que a falta de políticas unificadas só fortalecem as facções criminosas.

“As maiores organizações criminosas do Brasil nasceram e são comandadas de dentro dos presídios. Isso aconteceu porque as condições carcerárias são tão ruins que os presos se uniram para se proteger da violência. Com o tempo, essas alianças passaram a se estruturar como grupos de crimes organizados, com tentáculos fora das cadeias. Hoje, um sujeito entra no presídio por um crime pequeno e sai membro do PCC. Isso acontece porque não temos um sistema eficiente de penas alternativas e porque as prisões são ambientes de recrutamento para o crime organizado”, pontua.

Ele avalia que a descentralização do combate ao crime compromete a eficiência da segurança pública, permitindo que organizações criminosas se fortaleçam.

“Enquanto o crime organizado opera de forma nacional e até internacional, nossas forças de segurança permanecem fragmentadas e descoordenadas. Quando há integração entre as polícias, os resultados aparecem. Na Copa do Mundo, por exemplo, conseguir um planejamento unificado e coordenado, garantindo uma segurança bem avaliada. Mas foi uma exceção. Passado o evento, tudo voltou ao normal. O combate ao crime precisa ser contínuo, estruturado e baseado em inteligência, não em ações isoladas”, conclui.

Sobre o autor:

Vinícius Alves

Jornalista formado na Faculdade Cásper Líbero. Com passagens pela Agência Estado e Editora Globo.

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