O World é um projeto de identidade digital criado pela Tools for Humanity, cofundado por Sam Altman, criador da OpenAI, e Alex Blania. Com o objetivo de diferenciar humanos de bots e inteligências artificiais (IAs) a proposta da empresa utiliza o escaneamento de íris para comprovar a identidade humana.
No entanto, questões relacionadas à proteção de dados e privacidade geram controvérsias, especialmente após determinação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para que o projeto suspenda pagamentos para coleta de íris no Brasil.
Para Guilherme Neves, especialista em cibersegurança e professor de cursos de tecnologia do Ibmec-RJ, há riscos significativos em relação ao uso de dados biométricos no projeto. Ele destaca a falta de clareza sobre o uso dos dados ao longo prazo.
Venda de íris: como funciona a coleta da Word?
O processo de verificação da coleta da íris no World ocorre em duas etapas. Primeiro, o usuário faz o download do World App , que funciona como uma carteira digital conectada a criptomoedas.
Posteriormente, é necessário agendar uma seleção presencial em um dos pontos fornecidos com o Orb, dispositivo que escaneia a íris do usuário e gera um código criptografado para comprovar sua identidade. A empresa garante que as imagens não são armazenadas, apenas o código anonimizado é gerado.
Após concluído o processo, os usuários recebem tokens WLD , a criptomoeda o projeto. Parte do valor é entregue imediatamente, enquanto o restante é distribuído mensalmente ao longo de 12 meses. Em janeiro de 2025, o valor estimado era de aproximadamente R$ 470, com os brasileiros recebendo até R$ 740 em recompensas.
Polêmica no Brasil e decisão da ANPD
O projeto chegou ao Brasil em novembro de 2024 e, em menos de um mês, atraiu centenas de brasileiros que concluirão o processo de verificação. No entanto, a ANPD determinou, em 24 de janeiro, que a empresa interrompe-se a oferta de recompensas financeiras para novos usuários.
De acordo com a ANPD, dados biométricos, como os obtidos pelo escaneamento de íris, precisa ser livre, informado, inequívoco e fornecido de maneira específica, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Em nota, a World afirmou estar “em conformidade com todas as leis e regulamentações do Brasil” e atribuiu a decisão a “informações falsas divulgadas por relatos imprecisos e atividades em redes sociais”.
Quais são os riscos do projeto?
Neves, do IBMEC-RJ, menciona a sensibilidade dos dados biométricos e reforça que os dados biométricos são classificados como sensíveis pela LGPD e pela GDPR (regulação europeia), o que impõe medidas rigorosas para seu tratamento.
“A íris é um dos dados biométricos mais precisos que existem, com acurácia de quase 100%. Isso torna uma identidade praticamente irrefutável. Uma vez que você compartilhe suas íris, qualquer pessoa que tenha acesso a esse dado pode se passar por você, seja para cometer fraudes financeiras ou alterar dados pessoais em sistemas”, alerta.
“Existe o risco de as pessoas não compreenderem totalmente as implicações de compartilhar dados biométricos. A empresa afirma que os dados serão utilizados apenas como identidade digital, mas não deixa claro como essa autorização será controlada. Sem mecanismos que exijam o consentimento do usuário sempre que esses dados forem utilizados, há brechas para possíveis fraudes”, acrescenta o professor.
Por fim, ele ainda compara o sistema ao cenário do filme Minority Report, ficção científica estrelada por Tom Cruise. “No filme, existiam leitores de íris espalhados pela cidade. Sempre que alguém passasse por esses dispositivos, era automaticamente identificado. Se a pessoa fosse procurada, era detida.”
“Essa é uma tecnologia de identificação extremamente avançada e segura, mas é justamente essa precisão que a torna ainda mais sensível e suscetível a usos indevidos caso os dados não sejam protegidos protegidos”, conclui.
Legislação de referência
Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados)
Sobre o autor:
Jornalista formado na Faculdade Cásper Líbero. Com passagens pela Agência Estado e Editora Globo.