A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) reformou decisão que permitia à Buser Brasil Tecnologia LTDA intermediar o transporte interestadual de passageiros sem a imposição de multas. A atividade foi considerada incompatível com as normas que regem os serviços públicos delegados.
A decisão foi proferida em julgamento estendido no mandado de segurança n.º 1027611-88.2020.4.01.3800, após apelação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A Turma entendeu que o modelo de negócios da Buser configura transporte clandestino, violando o regime jurídico aplicável ao setor de transporte rodoviário interestadual.
Questão jurídica envolvida
O caso trata da legalidade do modelo de intermediação de transporte coletivo interestadual da Buser, analisando sua compatibilidade com as normas que regulam serviços públicos delegados e o regime de fretamento de veículos.
Contexto da decisão
A ANTT argumentou que o modelo de fretamento em circuito aberto praticado pela Buser viola o Decreto nº 2.521/1998 e a Resolução nº 4.777/2015, que regulamentam o fretamento de veículos como modalidade específica, geralmente limitada ao circuito fechado e sem venda de passagens individuais.
O voto vencedor, da desembargadora Simone Lemos, apontou que o transporte promovido pela Buser e suas parceiras é uma prática ilegítima, que utiliza trechos já cobertos por concessionárias regulares. Ela destacou que essas empresas arcam com obrigações legais, como atender rotas não lucrativas, oferecer gratuidades para grupos específicos e manter canais de atendimento, responsabilidades não assumidas pelas parceiras da Buser.
Fundamentos da decisão
A desembargadora Simone Lemos enfatizou que “na esfera do serviço público, ainda que delegado, não há liberdade para se fazer o que não se encontra regulamentado”. Segundo a magistrada, a legitimação do modelo de negócios da Buser criaria concorrência desleal, comprometendo a isonomia e o equilíbrio da ordem econômica no setor.
O voto também considerou que a intermediação digital não altera a natureza do serviço prestado, classificando-o como transporte clandestino. A desembargadora comparou a situação com o julgamento do HC 76689, no qual o Supremo Tribunal Federal decidiu que avanços tecnológicos não eliminam a necessidade de adequação às normas vigentes.
Impactos práticos
A decisão reafirma a necessidade de respeito às regras regulatórias em setores de serviço público delegado, mesmo diante de modelos disruptivos promovidos por novas tecnologias. Também reforça a importância de assegurar a isonomia no mercado de transporte coletivo, protegendo as concessionárias regulares que cumprem exigências legais e garantem a prestação contínua do serviço.
Legislação de referência
Decreto nº 2.521/1998:
“Regulamenta o transporte rodoviário coletivo interestadual e internacional de passageiros, estabelecendo as condições para sua execução.”
Resolução nº 4.777/2015 da ANTT:
“Dispõe sobre o regime de fretamento de veículos de transporte coletivo de passageiros e suas modalidades.”
Processo relacionado: 1027611-88.2020.4.01.3800