A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, com base na Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção de Haia), o Estado brasileiro pode regulamentar as visitas de pais estrangeiros a filhos que residem no Brasil, mesmo na ausência de subtração ou retenção ilícita do menor. A decisão confirmou a legitimidade da União para ajuizar ações desse tipo, com julgamento pela Justiça Federal.
Caso envolve pedido de visitação feito pela autoridade central da Argentina
O caso analisado envolveu uma solicitação da autoridade central argentina para regulamentar o direito de visita de um pai que reside na Argentina a seus filhos, que vieram ao Brasil com a mãe. Embora o pai tenha concordado com a permanência das crianças no Brasil, não houve acordo com a mãe sobre as visitas. O caso foi encaminhado pela Secretaria de Direitos Humanos à Advocacia-Geral da União (AGU), que iniciou a ação na Justiça Federal, mas a ação foi inicialmente extinta pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sob o entendimento de que não haveria interesse da União.
STJ reconhece prerrogativa da autoridade central para regular visitas
O ministro relator Antonio Carlos Ferreira observou que a Convenção de Haia, em vigor no Brasil desde 2000, confere à Secretaria de Direitos Humanos a responsabilidade de atuar como autoridade central. Ele destacou que o direito de visitas parental previsto na convenção não exige que haja retenção ilícita ou sequestro da criança. Assim, a autoridade central tem a prerrogativa de intervir judicialmente para garantir o direito de visitas, em conformidade com o pacto internacional.
União é parte legítima para atuar e Justiça Federal é competente
O relator afirmou que a intervenção estatal para regulamentar o direito de visita é coerente com o princípio constitucional da prioridade absoluta da criança e do adolescente (artigo 227 da Constituição Federal). Segundo o ministro, o Estado tem o dever de assegurar o direito à convivência familiar, especialmente quando o genitor reside em outro país, o que exige uma intermediação do Estado para facilitar o contato.
Por fim, o STJ confirmou que a União possui legitimidade ativa para ajuizar a ação, uma vez que age em nome próprio para cumprir as obrigações da Convenção de Haia. A competência para o julgamento é da Justiça Federal, fundamentada no artigo 109, I e III, da Constituição Federal, por envolver tratado internacional e a União como parte no polo ativo. Caso a ação fosse proposta por um dos pais com base nas normas do direito civil brasileiro, a competência recairia sobre a Justiça estadual.
Questão jurídica envolvida
A questão central é a interpretação da Convenção de Haia quanto à legitimidade do Estado brasileiro em regulamentar o direito de visitas de genitores estrangeiros, mesmo sem retenção ilícita, bem como a definição da competência da Justiça Federal para julgar casos relacionados ao tratado.
Legislação de referência
Artigo 227 da Constituição Federal:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Artigo 109, I e III, da Constituição Federal:
“Aos juízes federais compete processar e julgar: I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; (…) III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional.”
Processo relacionado: Em sigilo.