O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, que é possível recorrer de uma decisão do Tribunal do Júri que absolva um réu sem fundamentação específica e contrária às provas dos autos, especialmente quando a absolvição ocorre por motivos como clemência, piedade ou compaixão. A decisão foi tomada nesta quarta-feira (2), na conclusão do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1225185, com repercussão geral (Tema 1.087).
A tese final que deve orientar decisões judiciais em casos semelhantes ainda não foi definida, e o julgamento será retomado em data futura.
Quesito genérico e soberania do júri
O Código de Processo Penal (CPP) permite que os jurados respondam a três perguntas: se houve o crime, quem foi o autor e se o réu deve ser absolvido. O chamado “quesito genérico” possibilita que o réu seja absolvido sem que haja uma justificativa específica, mesmo quando os jurados já tenham reconhecido a prática e a autoria do delito. Esse tipo de absolvição pode ocorrer por razões como compaixão, o que, para muitos juristas, coloca em debate a soberania dos veredictos do tribunal do júri, garantida pela Constituição Federal.
A soberania do júri assegura a independência das decisões populares, garantindo que a análise dos fatos seja feita pela própria sociedade, por meio dos jurados.
O caso concreto
No caso que gerou o Recurso Extraordinário, o júri popular de Minas Gerais absolveu um homem acusado de tentativa de homicídio, apesar de reconhecer que ele cometeu o crime. A absolvição ocorreu em razão de a vítima ser responsabilizada pelo homicídio do enteado do acusado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), fundamentando-se na soberania do júri, negou o recurso do Ministério Público estadual que pedia a revisão da absolvição.
Votos favoráveis ao recurso
A maioria dos ministros, liderada por Edson Fachin, votou pela possibilidade de recurso, entendendo que a revisão da decisão do júri por outro tribunal, nesses casos, não viola a soberania dos veredictos. O ministro Flávio Dino defendeu que o tribunal de apelação tem o papel de filtrar a decisão do júri, podendo determinar a realização de um novo julgamento caso considere que a absolvição por clemência não foi razoável. Se, no novo julgamento, o réu for novamente absolvido, a decisão deve ser mantida.
Divergências
Por outro lado, os ministros Cristiano Zanin e André Mendonça se posicionaram contra a possibilidade de um segundo julgamento nessas circunstâncias, argumentando que a absolvição por compaixão reflete o sentimento dos jurados em relação ao réu, não sendo fundamentada exclusivamente nas provas dos autos. Eles admitem a possibilidade de recurso apenas em casos envolvendo clemência relacionada a racismo, homofobia ou defesa da honra, tema já declarado inconstitucional pelo STF na ADPF 779.
Soberania dos veredictos
O julgamento teve início no Plenário Virtual e foi reiniciado no plenário físico na quarta-feira (25). O ministro aposentado Celso de Mello, que acompanhava o relator Gilmar Mendes, defendeu que permitir um segundo julgamento nessas situações esvaziaria a soberania dos veredictos, sendo ambos votos vencidos.
Legislação de referência
- Código de Processo Penal, Art. 593, III, d:
“A apelação poderá ser interposta no prazo de 5 (cinco) dias, contados da intimação da decisão, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos.” - Constituição Federal, Art. 5º, XXXVIII:
“É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
Processo relacionado: ARE 1225185