A 2ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) decidiu que um contrato de financiamento celebrado entre um Microempreendedor Individual (MEI) e uma instituição bancária pode ser classificado como uma relação de consumo. Esse entendimento foi adotado ao julgar recurso de um MEI que solicitava a anulação de uma ação de busca e apreensão movida pelo banco devido à inadimplência no pagamento de parcelas referentes à aquisição de um veículo.
Decisão de primeira instância e recurso
O juízo de primeira instância havia determinado a apreensão do automóvel adquirido pelo microempreendedor, seguindo entendimento de que contratos firmados entre bancos e pessoas jurídicas para atividades empresariais não configuram relações de consumo, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Entretanto, o MEI recorreu, alegando irregularidades no processo de constituição em mora e pedindo a revisão de cláusulas que considerava abusivas, como a cobrança de tarifas e a imposição de seguro prestamista. Ele argumentou que, apesar de ser um contrato firmado entre uma pessoa jurídica e um banco, tratava-se de uma relação de consumo.
Vulnerabilidade do MEI reconhecida
No julgamento do recurso, o desembargador relator destacou a vulnerabilidade econômica do MEI e o fato de o veículo ter sido adquirido para uso final, característica essencial para a configuração de uma relação de consumo. O relator também afirmou que, ao reconhecer a relação de consumo, os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal foram resguardados.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Com base no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que define consumidor como a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, o Tribunal reconheceu que a relação entre o MEI e a instituição bancária deveria ser protegida pelas normas consumeristas. Dessa forma, o ônus da prova foi invertido, nos termos do artigo 6º do CDC, beneficiando o microempreendedor.
A decisão determinou a anulação da sentença de primeira instância, devolvendo o processo à fase de instrução para análise das alegações de cláusulas abusivas e distribuição do ônus da prova. O voto do relator foi seguido por unanimidade pelos demais desembargadores.
Questão jurídica envolvida
A questão jurídica central é a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) em contratos firmados por microempreendedores individuais, reconhecendo a vulnerabilidade econômica dessas pessoas jurídicas em relação a grandes instituições financeiras. A decisão aplicou os artigos 2º e 6º do CDC, garantindo maior proteção ao MEI.
Legislação de referência
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)
Art. 2º – Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Processo relacionado: Apelação 5084856-20.2022.8.24.0930