A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a simples comunicação de um possível crime, classificada como “notícia de fato” ou “verificação de procedência de informações”, não equivale a uma investigação formal. Portanto, não autoriza a requisição de relatórios ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Esta decisão esclarece os limites da atuação do Ministério Público em fases preliminares e reforça garantias legais aos investigados.
Investigação inicial e atuação do Ministério Público
O caso começou quando o Ministério Público do Paraná (MPPR) recebeu informações sobre uma suposta organização criminosa operando com estelionato e lavagem de dinheiro através de um esquema de pirâmide financeira. Com base nessas informações, o MPPR iniciou uma “notícia de fato”, uma etapa preliminar para averiguar as informações recebidas, que mais tarde foi convertida em um procedimento investigatório formal. Antes de formalizar a investigação, o MPPR contatou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e, após descobrir que os suspeitos não estavam autorizados a atuar no setor financeiro regulado, solicitou relatórios financeiros ao Coaf.
Defesa questiona legalidade da requisição
A defesa de um dos suspeitos entrou com habeas corpus, alegando que a solicitação dos relatórios de inteligência financeira ao Coaf foi ilegal, pois ocorreu sem que houvesse uma investigação formal em andamento e sem autorização judicial. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) negou o habeas corpus, o que levou a defesa a recorrer ao STJ.
Interpretação sobre a “notícia de fato”
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, cujo voto prevaleceu na Quinta Turma, explicou que a “notícia de fato” é um procedimento previsto pela Resolução 174/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público. Esse procedimento permite apenas a coleta de informações preliminares e proíbe a expedição de requisições antes de uma investigação formal ser instaurada. O ministro enfatizou que a “notícia de fato” serve apenas para verificar se as informações recebidas justificam a abertura de uma investigação e, portanto, não autoriza medidas invasivas, como solicitar relatórios financeiros ao Coaf.
Ele comparou a “notícia de fato” à fase de “verificação de procedência de informações”, ambos considerados estágios iniciais antes da instauração formal de uma investigação. Durante esse período, medidas invasivas são proibidas, pois ainda não há certeza sobre a veracidade das informações.
Decisão do STJ e implicações legais
Com base nesse entendimento, o STJ decidiu que o relatório do Coaf, solicitado pelo MPPR durante a fase preliminar, é ilegal e deve ser retirado do processo. O tribunal destacou que medidas invasivas, como a requisição de relatórios ao Coaf, requerem a existência de uma investigação formal e autorização judicial para evitar abusos e proteger os direitos dos envolvidos.
A decisão estabelece que a simples existência de uma “notícia de fato” não é suficiente para justificar ações que possam comprometer os direitos de privacidade e defesa dos suspeitos, reafirmando a importância de procedimentos formais devidamente autorizados.
Questão jurídica envolvida
A decisão trata da validade de requisições de relatórios financeiros durante etapas preliminares de investigação, destacando que essas fases, como a “notícia de fato”, não configuram uma investigação formal. O tribunal reafirma a necessidade de autorização judicial para evitar medidas invasivas e garantir o devido processo legal.
Legislação de referência
- Art. 5º, §3º, do Código de Processo Penal (CPP):
“Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.” - Resolução 174/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP):
“Art. 2º – A notícia de fato deverá ser registrada em sistema informatizado de controle e distribuída livre e aleatoriamente entre os órgãos ministeriais com atribuição para apreciá-la.
Art. 3º, parágrafo único – O membro do Ministério Público poderá colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições.”
Processo relacionado: RHC 187335