A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a obrigação de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a ministro religioso inativo, mesmo quando imposta por decisão judicial, não configura interferência indevida do poder público no funcionamento de organizações religiosas. A corte enfatizou que a autonomia das entidades religiosas não é absoluta, sendo sujeita ao controle judicial para verificar a conformidade de seus atos com regulamentos internos e a legislação.
O caso em julgamento
O caso envolveu a ação movida pelo filho de um pastor contra uma igreja, buscando o pagamento de diferenças de côngrua de jubilação devidas ao seu pai falecido. Após decisão desfavorável em primeira instância, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reformou a sentença, parcialmente procedendo ao pedido.
Argumentos da igreja
A igreja recorreu ao STJ, alegando que a obrigação de pagar a côngrua tinha caráter moral e não poderia ser imposta judicialmente, argumentando que a côngrua não é remuneração ou benefício de aposentadoria conforme a legislação previdenciária, e que não havia previsão legal para tal pagamento ao filho de um pastor falecido.
Natureza contratual da côngrua
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, esclareceu que a côngrua pode ter sua natureza moral transformada em contratual, dependendo das circunstâncias. Segundo a ministra, a obrigatoriedade do pagamento se torna contratual quando é (i) prevista de forma obrigatória, (ii) fundamentada em regulamento interno e (iii) registrada em ato formal. No caso, a igreja havia reconhecido formalmente a obrigatoriedade do pagamento vitalício da côngrua, mas deixou de realizar os pagamentos nos últimos anos de vida do pastor, alegando liberalidade.
Controle judicial sobre entidades religiosas
O STJ concordou com o entendimento do TJRJ de que a interrupção dos pagamentos violava princípios de boa-fé e proteção da confiança. A ministra relatora destacou que, apesar da autonomia interna das organizações religiosas, o Estado tem o direito de intervir para garantir que seus atos estejam em conformidade com as normas e regulamentos vigentes, conforme o artigo 44, parágrafo 2º, do Código Civil.
Questão jurídica envolvida
A questão jurídica central envolve a possibilidade de controle judicial sobre o cumprimento de obrigações contratuais por parte de organizações religiosas, especialmente no que tange ao pagamento de verbas alimentares a seus ministros inativos.
Legislação de referência
- Artigo 44, parágrafo 2º, do Código Civil: “As organizações religiosas, as associações e as fundações, observadas as disposições de seus estatutos, tornam-se pessoas jurídicas de direito privado.”
Processo relacionado: REsp 2129680