Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há impedimento para que a plataforma de aplicativo de transporte individual suspenda imediatamente a conta de motorista em razão de ato considerado grave, mesmo que a empresa deva oferecer a possibilidade de posterior exercício de defesa visando ao recredenciamento do profissional.
Contexto do caso
A decisão foi tomada ao negar recurso de um motorista excluído da plataforma 99 por suposto descumprimento do código de conduta da empresa. Segundo os autos, o profissional teria encerrado corridas em locais diferentes daqueles solicitados pelos passageiros, sem justificativa.
Após ter sua ação julgada improcedente em primeira e segunda instâncias, o motorista recorreu ao STJ, argumentando que o rompimento do vínculo foi abrupto, sem notificação prévia e sem respeito ao direito do contraditório e da ampla defesa.
Autonomia da relação civil e comercial
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, explicou que a hipótese não envolve a relação entre a plataforma e o usuário do aplicativo, motivo pelo qual não é aplicável o Código de Defesa do Consumidor. A relatora destacou que, até o momento, não foi reconhecida a existência de vínculo empregatício entre os prestadores de serviços e as plataformas, prevalecendo a autonomia da vontade e a independência na atuação de cada parte.
Impacto social e interesse público
A ministra Andrighi ressaltou que mais de 1,5 milhão de brasileiros trabalham por meio de aplicativos, conforme dados de 2022 do IBGE. Tal cenário exige atenção do Judiciário quanto à possibilidade de um profissional ter sua atividade interrompida por decisão sumária, sem chance de defesa.
Ela também lembrou que, embora as plataformas sejam pessoas jurídicas de direito privado, seu objeto social – o transporte – é de interesse público, exigindo responsabilidade quanto aos riscos envolvidos.
Aplicação da LGPD
Nancy Andrighi destacou que as análises de perfil realizadas pelas plataformas são frequentemente automatizadas, o que atrai a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Segundo a ministra, o motorista de aplicativo, como titular dos dados pessoais, possui o direito de exigir a revisão de decisões automatizadas que definam seu perfil profissional.
Responsabilidade e suspensão imediata
Em relação à notificação prévia, a relatora destacou que a plataforma pode ser responsabilizada por eventuais danos causados ou sofridos por seus usuários, devendo examinar os riscos de manter ativo determinado prestador de serviço. Para a ministra, se o ato cometido pelo motorista for suficientemente grave, a plataforma pode suspender o perfil imediatamente, permitindo a posterior defesa do profissional.
No caso em questão, após o suposto ato grave, o motorista foi informado das razões de sua exclusão e teve a oportunidade de se defender, embora a decisão tenha sido desfavorável. A ministra concluiu que não houve ilegalidade ou abusividade na conduta da 99 Tecnologia Ltda.
Questão jurídica envolvida
A decisão aborda a relação civil e comercial entre motoristas e plataformas de transporte, destacando a autonomia das partes, a aplicação da LGPD em decisões automatizadas e a responsabilidade das plataformas em garantir a segurança dos usuários.
Legislação de referência
- Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018): Estabelece normas sobre a proteção de dados pessoais e a necessidade de revisão de decisões automatizadas.
- Código Civil: Regula as relações contratuais entre partes privadas, aplicável à relação entre motoristas e plataformas de transporte.
- Constituição Federal, Artigo 5º, Incisos LIV e LV: Garante o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
Processo relacionado: REsp 2.135.783.